quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Call for papers - XIX Colóquio Winnicott Internacional

Regras gerais:

- máximo de três coautores e somente um apresentador (que deverá ser
um dos autores).
- cada autor pode enviar até três resumos, mas só poderá apresentar
até dois trabalhos.
- após o aceite do trabalho, não será permitida a troca do apresentador.
- serão selecionadas comunicações sobre Winnicott, de preferência
sobre o tema do Colóquio, mas não exclusivamente.
- as comunicações terão até 20 minutos de duração, com mais 10 minutos
para discussão com o público.

Especificações para envio:

- minicurrículo: até 10 linhas.
- resumo para avaliação: 200 a 500 palavras; documento Word 97 ou
superior; formato: Times New Roman 12; entrelinha: 1,5.
- resumo para o Caderno de Resumos: máximo de 100 palavras; mesmo formato.

Envio do trabalho:

- até 08/03/2014
- para Ariadne Moraes, pelo e-mail ariadne.moraes@uol.com.br

Publicação:

Havendo interesse, as comunicações aceitas e apresentadas no Colóquio
poderão ser submetidas para publicação à revista Winnicott e-Prints
até 30 dias após o evento. Para essa submissão, os trabalhos devem ter
uma página de rosto, na qual devem constar: identificação do(s)
autor(es), título (também em inglês), palavras-chave e resumo (até
dez linhas), em português e inglês. No texto não devem constar dados
que tornem possível identificar o autor para que o processo de
avaliação possa ser realizado pelo método duplo-cego. Enviar o artigo
para Ariadne Moraes, e-mail ariadne.moraes@uol.com.br.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

SBPW: notícias de Córdoba (+playlist)

Notícias de Córdoba: Loparic conta da participação da Sociedade Winnicott em Curso de especialização em Winnicott na Universidade Nacional de Córdoba, Argentina, e destaca a importância da psicanálise winnicottiana para o estudo de problemas sociais -- como a violência --, bem como a possibilidade de usar esse novo paradigma da psicanálise para fins de prevenção.

sábado, 23 de novembro de 2013

Entrevista com o Prof. Dr. Zeljko Loparic - 2010

Entrevista
Entrevista com Loparic
Entrevista concedida em 14 de novembro de 2010 a Roseana
Moraes Garcia, psicanalista winnicottiana e Coordenadora do Centro
Winnicott de Campinas, e a Mariângela Amêndola, Profª. Drª. (aposentada)
em Matemática Aplicada-FEAGRI/Unicamp e atualmente dedicada
à Especialização em Jornalismo Científico pela LABJOR/Unicamp.
P: Professor, gostaríamos que o senhor nos contasse um pouco sobre a
sua história inicial, sobre a sua infância na Croácia. Na época, a Croácia
fazia parte da Iugoslávia, não é?
R: Fazia, mas eu sempre digo que nasci na Croácia e não na Iugoslávia.
Não faço isso para criar uma ilusão retrospectiva. A Iugoslávia era uma
formação artificial e mal sucedida do século XX. A Croácia, pelo contrário,
é uma das nações mais antigas da Europa, cuja identidade coletiva
começou a ser constituída no século VII, quando da conversão dos
croatas ao cristianismo. A longa e sofrida história da Croácia faz parte
da minha identidade. Tanto é assim que, em 1991, na época da agressão
sérvia, tornei-me responsável pelo Escritório croata em São Paulo. De
1995 a 2000 desempenhei a função de cônsul honorário da Croácia em
São Paulo. Até hoje mantenho fortes relações com o meu país de origem.
Voltando à minha história pessoal, pouco antes de eu nascer, em dezembro
de 1939, meu pai perdeu, por perseguição política, o emprego que
tinha na Herzegovina. Foi essa região que, juntamente com a Bósnia,
ficou tristemente conhecida nos anos 1990 por uma guerra civil selvagem.
A primeira Iugoslávia, criada em 1918, era um país controlado
pelo establishment sérvio de forma ainda mais brutal (assassinatos dos
principais líderes políticos croatas em pleno parlamento, introdução,
no período de 1929-1934, de regime ditatorial inspirado no fascismo
de Mussolini etc.) do que a segunda (a de Tito) e meu pai fazia parte
da resistência croata na época. Sem emprego, ele enviou a minha mãe,
grávida de mim, a Cvetkovic, um pequeno lugarejo nas redondezas de
Zagreb, capital da Croácia, onde ele próprio nasceu, onde tínhamos família
e onde eu vi a luz do dia.
P: O senhor é o filho mais velho?
R: Sou o filho mais velho. Tenho uma irmã 6 anos mais nova, que ainda
vive na Croácia. Não demorou muito, e meu pai conseguiu o emprego
de volta, de modo que passei meus primeiros anos na Herzegovina.
Minhas primeiras lembranças são de lá. Morávamos numa cidadezinha
pequena, muito antiga, situada numa região montanhosa. Meu pai era
engenheiro florestal e ele forçosamente vivia perto das montanhas. A
cidade era multiétnica; havia croatas, sérvios e também mulçumanos.
P: Os croatas eram católicos?
R: Sim. A grande parte dos croatas é até hoje católica. O catolicismo faz
parte da identidade nacional. Mas nós convivíamos muito bem com os
sérvios, ortodoxos, e com os muçulmanos. Apesar de conflitos graves
na área política, a sociedade civil era bastante tolerante. Uma das recordações
mais antigas que tenho é de ter tido medo daquelas mulheres
mulçumanas que andavam de véu, todas de preto. Certo dia, voltei para
casa correndo, apavorado, e disse a minha mãe: “Eu vi uma mrakina”.
“Mrakina” significa algo como “tenebrosa”, “trevosa”. Até hoje eu me
lembro dessa palavra. Tempos depois, constatei que ela não existia no
dicionário.
P: Quer dizer que já nessa idade o senhor inventou uma palavra em
croata?
R: Não sei se isso é algo tão extraordinário. A pequena Piggle, paciente de
Winnicott, inventou, mais ou menos na mesma idade, a palavra “babacar”,
para falar de seus medos. O babacar de Piggle era um lugar escuro
e perigoso. A minha mãe não entendeu nada. Quando expliquei melhor
o que tinha visto, ela me disse, rindo: “Não, filho, não fique com medo, é
que elas se vestem assim”. Essa foi, num certo sentido, a minha primeira
experiência intercultural. A essas primeiras lembranças, seguem-se as da
guerra, um pouco mais tarde. Via soldados mortos transportados pelas
ruas em charretes, via aviões caindo em chamas, ouvia rajadas de metralhadoras
durante a noite... Acho curioso, mas isso não me dava medo;
ao contrário, me fascinava. Mas nessa altura eu já tinha uns cinco anos.
P: O senhor ainda estava na Herzegovina?
R: Não, já estava na Croácia, numa cidade perto de Zagreb, capital da
Croácia. Nós saímos de Herzegovina no verão de 1943, porque viver por
lá ficou muito perigoso. A segunda guerra mundial, na antiga Iugoslávia,
foi travada, sobretudo, na Bósnia e Herzegovina. Perto de Zagreb, era
mais seguro. Meu pai pediu a transferência e conseguiu. Lá também havia
florestas.
P: Tinha toque de recolher?
R: Não me lembro disso. Mas me lembro bem de disparos noturnos; era
a guerrilha que estava se aproximando do lugar, e a população civil fugia
para os abrigos. Uma noite, ficamos num abrigo improvisado na adega
do pároco local. A adega ficava numa cave subterrânea, abaixo da casa
paroquial; uma agradável luz amarelada suspensa no teto iluminava os
grandes tonéis de carvalho, o ar era quente e cheirava a vinho... Eu me
sentia perfeitamente protegido.
P: O senhor estudou nessa cidadezinha perto de Zagreb?
R: Não, eu era ainda pequeno e, nessa época, o pré-primário não existia.
Depois do fim da guerra, voltamos para Cvetkovic e lá fiz o primário, de
1945 a 1950. Foi um período do qual guardo minhas melhores recordações
de infância. Eu participava das colheitas e da vindimas, ia às missas
de domingo num mosteiro medieval, com afrescos antigos e um órgão
poderoso, ia caçar e pescar com meus amigos, patinava com eles pelo
gelo do rio no inverno, tomava banho com eles no mesmo rio, no verão.
Aprendi a nadar com eles. Nunca fui numa escola de natação.
P: Então, esse rio é que foi a sua escola de natação?
R: Sim. Nessa parte da infância, fiquei muito próximo da natureza e do
campo. Aprendi também a andar a cavalo, sem sela. Jogávamos muita
bola; não tínhamos bola de verdade, de couro. Fazíamos as bolas nós
mesmos, de meia. E ainda organizávamos pequenos campeonatos. O
pai de um dos meus colegas era chefe da estação de trem de Cvetkovic,
e ele deu um jeito para que fizéssemos pequenas turnês de trem, para
competir com times de localidades próximas.
P: Eram campinhos de futebol como no Brasil?
R: Sim, mas totalmente improvisados.
P: O senhor era bom jogador?
R: Acho que não era dos piores. O fato é que eu fazia parte do timinho
do lugar. Esse negócio de jogar bola eu continuei por muito tempo depois,
inclusive no Brasil. Em São Paulo, quando já era professor da USP
e depois da Unicamp, eu jogava futebol no clube dos funcionários públicos
do Estado de São Paulo, o Clube Guarapiranga; era lateral direito,
mas jogava também na frente da zaga.
P: Até quando o senhor ficou estudando na sua cidade natal?
R: Até 1950, quando fui para a capital, estudar no colégio clássico, o
mesmo em que meu pai também estudou. Minha mãe fez questão que
eu estudasse num bom colégio, no “melhor colégio”. Assim, com dez
anos, eu passei a morar em Zagreb e lá eu só tinha a minha tia solteira.
Minha mãe vinha me visitar de vez em quando. Eram momentos difíceis,
para mim e para ela. No início, eu sentia falta de ar no meio daqueles
prédios altos. Imagine, eram prédios que não tinham mais do que 5
ou 6 andares! Quando eu tinha 13 anos, a minha tia teve de se ausentar
por um tempo da cidade e eu fiquei morando sozinho, contando apenas
com os vizinhos. Um dia, acordei com uma tremenda dor de ouvido.
Fiquei de cama. A minha vizinha, esposa de um médico, chamou a minha
mãe, que veio correndo me ver. A dor passou logo, sem remédio.
Acho que a minha mãe ficou muito preocupada com esses meus momentos
de fraqueza.
P: E como era a sua rotina, aos 10 anos?
R: Numa semana, eu tinha aulas pela manhã e na outra pela tarde.
Depois das aulas da manhã, ia frequentemente jogar bola num terreno
baldio. Voltava para casa todo sujo, tomava banho, almoçava e me punha
a estudar. Eu era um aluno muito aplicado e tirava boas notas. Fazia
certinho todos os deveres de casa. No tempo que sobrava, eu estudava
piano e, sobretudo, lia. Aconteceu que um semestre inteiro enfurnei-me
nos livros de Karl May e Zane Grey sobre índios americanos. Quase peguei
recuperação. Depois do susto, comecei a ler livros mais sérios, sobretudo
os autores russos (Dostoievski, Turgueniev, Gogol...). Na escola,
aderi aos escoteiros. No verão, fazíamos excursões pelas montanhas,
acampávamos. No inverno, íamos esquiar. Além da escola, frequentava o
mosteiro dos jesuítas da cidade. Ia para a catequese, fui até coroinha, fiz
novos amigos. Juntamente com o escotismo, esse ambiente jesuítico me
ajudou a ficar pessoalmente mais forte e mais independente da minha
mãe. E me deu um grande estímulo intelectual. Comecei a ler apostilhas
de filosofia escolástica em latim, usadas no seminário arquiepiscopal de
Zagreb. Com 14 anos, eu já tentava explicar as provas de São Tomás sobre
a existência de Deus aos meus amigos do colégio incrédulos.
P: Professor, o senhor falou da importância dos jesuítas na sua vida. Mas
eu queria saber se houve outras figuras da Igreja que exerceram uma
influência importante em seu trajeto intelectual ou mesmo na vida.
R: Houve, sim. No final de colégio, conheci o padre Emanuel, um monge
cartuxo de um convento na Eslovênia, a 60, 70 quilômetros de Zagreb.
Os cartuxos são membros de uma ordem religiosa católica das mais rigorosas,
fundada no século XI, nas montanhas de Grenoble, por um alemão
de família nobre, São Bruno. Eles buscam, pela via contemplativa,
a união mística com Deus, ainda neste mundo. Vivem como eremitas,
nas suas celas individuais dentro de conventos. Têm uma alimentação
extremamente frugal e acordam no meio da noite para ofícios celebrados
em canto gregoriano. No século XVII, a ordem ficou rica por ter começado
a produzir a Chartreuse, um licor famoso até hoje. Procurei por
esse monge por que se dizia que ele sabia “ler as almas” e eu, adolescente,
precisava saber do destino da minha. Fiz várias estadas no seu mosteiro,
durante as quais compartilhava a vida dos monges. Aos poucos, fui me
dando conta que a leitura das almas que o monge Emanuel fazia era
baseada numa extraordinária história de vida: antes de se tornar cartuxo,
com vinte e poucos anos, ele tinha vivido uma paixão louca por
uma jovem mulher muçulmana que morreu de tuberculose. A mãe dele
era sobrinha do arcebispo de Zagreb e o pai, um nobre mulçumano da
Bósnia, de descendência turca, que se declarava croata. O meu passado
na Herzegovina ajudou-me a me sentir rapidamente muito próximo
dele. Eu estava para fazer uma nova e extremamente rica experiência
intercultural.
P: Era isso mesmo? Ele era filho de uma mãe de família tradicional católica
croata e de um pai nobre mulçumano croata?
R: Isso mesmo. A família da mãe exigiu que os filhos fossem criados
na religião católica. O pai consentiu. Rico, ele mobiliou o casarão com
móveis importados de Viena. Emanuel recebia instrução católica dos
franciscanos da cidade dele e, em casa, lia com os tios muçulmanos o
Al Corão. Desde pequeno, quis ser padre católico. Fisicamente forte,
tornou-se campeão de natação júnior da Bósnia. Nessa mesma época,
apaixonou-se perdidamente por uma moça muçulmana, mas, paradoxalmente,
sem deixar de querer ser sacerdote católico. Foi estudar em
Zagreb e a moça foi junto. Eles começaram uma vida extraconjugal assentada
numa sensualidade que, segundo ele, lhes proporcionava momentos
extáticos de total perda de si e do mundo. O que ele queria me
dizer ao contar isso era que a busca amorosa intensa de outro ser humano
baseada no corpo não era incompatível, ao contrário, podia promover
a busca amorosa de Deus; que a assim chamada espiritualidade não
consistia no abandono, mas na radicalização das relações inter-humanas
efetivas. O Deus desse homem de Deus tinha para mim, nessa época, um
óbvio lado bósnio, muçulmano, oriental. Mais tarde, reconheci, nesses
relatos, elementos da vertente da mística cristã que funde a espiritualidade
com a sensualidade. Pouco tempo depois, ela, Emanuel nunca
me disse o seu nome, morreu de tuberculose. Ele entendeu que havia
chegado a hora de virar padre; não um padre comum, mas um cartuxo.
Como se a vida contemplativa e a reclusão dessa ordem rigorosa fosse a
melhor maneira de ele manter vivos e reunidos seus dois grandes amores:
o amor por Deus e o amor por uma mulher, ambos agora reunidos
no outro mundo. Para tanto, ele tinha que se manter vivo neste mundo
e deixava isso muito claro para mim. Quando precisava de tratamento
médico, deixava o hábito no mosteiro, vestia ternos impecáveis, hospedava-
se no melhor hotel de Zagreb e, ocasionalmente, me chamava para
almoçar ou jantar com ele. Nessas ocasiões, ele era um perfeito homem
do mundo. Terminado o tratamento, ele voltava a ser cartuxo. O seu
irmão, que o visitava de vez em quando, dizia não entender por que
ele voltava para essa prisão. Para Emanuel, não se tratava de prisão. O
mosteiro era o único lugar onde ele podia praticar a sua modalidade de
ascese. Esta não consistia na mortificação do corpo, mas na manutenção
e mesmo no fortalecimento da capacidade de amar perdidamente, extaticamente,
sediada num corpo que preservava todo o seu vigor.
P: O senhor mesmo nunca quis ser padre?
R: Não, eu nunca quis ser padre. A Igreja para mim era uma instituição
importante, sobretudo na época em que o comunismo, como sistema
político e como ideologia, tomava conta de modo truculento da
vida política e social na Croácia. Era também um ambiente sobre o qual
eu podia contar, no qual eu podia fazer amigos e que me estimulava
intelectualmente. Era minha segunda família, uma base para a vida. Mas,
ao mesmo tempo, esse lugar me limitava e prendia. Eu tinha um confessor
jesuíta que me ensinava mais a me afastar do mundo do que a buscar
fazer o bem no mundo. Certa ocasião, comecei a fazer musculação, na
companhia de amigos do mosteiro. O meu confessor desaprovou: dizia
que eu devia tornar-me um intelectual, não um halterofilista. O monge
Emanuel percebeu imediatamente que eu o procurei para tentar escapar
dessa prisão. Nos passeios que fazíamos no grande pomar do convento,
cercado de altos muros, ele me falava de um Deus que não era um Deus
abstrato que exigia renúncia, mas o Deus que estava conosco todos os
dias em todas as nossas relações pessoais e, dessa forma, transfigurava
essas relações. Contava-me exemplos de gestos de amor entre seres humanos
que encarnavam o amor de Deus por eles. Referia-se com desdém
aos monges que, ressecados pela ascese mortificadora, sacrificial,
não eram capazes de viver o amor por Deus sensivelmente, como amor
pelos homens e dos homens. Aos poucos, a minha sensibilidade e as minhas
atitudes começaram a se modificar profundamente: eu podia ser
filho de Deus e, ao mesmo tempo, viver com toda intensidade a minha
vida. O monge Emanuel deve ter visto os efeitos das suas palavras sobre
mim, quando me disse, naquele mesmo pomar: “Você não deve tornar-
-se jesuíta, você deve sair pelo mundo, achar uma menina bem bonita,
que vai gostar muito de você e você vai gostar muito dela e vocês vão
se casar”. Eu já não queria ser jesuíta, mas essas palavras franquearam o
mundo para mim, sem me fechar nele. Um tempo depois, ele me disse:
“Quero ler com você o Cântico dos cânticos. Você verá como o amor do
homem por Deus pode ser vivido como amor de um homem por uma
mulher”.
P: Isso não deixa de ser uma coisa paradoxal.
R: Alguns diriam que quem vive desse paradoxo tem dentro de si a fonte
de uma grande riqueza.
P: Depois desse período o senhor teve contato com ele?
R: Na hora de eu partir pela primeira vez para o exterior, em 1959, nos
despedimos calorosamente, depois de uma longa conversa no restaurante
do hotel onde ele ficava. Nas minhas viagens do Brasil a Europa,
algumas vezes fui visitá-lo no mosteiro. A última vez, ele inicialmente
não quis me receber. Eu insisti e ele apareceu. Tinha sofrido um
derrame, estava visivelmente debilitado. Ele me disse de voz trêmula e
resignada: “Eu não quis te encontrar ... para você não me ver assim”. Era
como se temesse a minha inevitável percepção de que ele não tinha mais
forças físicas e psíquicas para manter vivos os seus dois amores; nem
mesmo para se comunicar comigo em nível pessoal. A nossa conversa
não tomou rumo, falamos de tudo sem direção, quando, de repente,
ele olhou firme para mim e disse: “Você andou pelo mundo, o tempo
deixou marcas na sua cara”. Eu traduzi: ele está me dizendo agora que
nós não temos mais os mesmos corpos, nem as mesmas almas; que uma
distância intransponível estava nos separando; que não tínhamos mais
nada a dizer um ao outro. Despedimo-nos como estranhos. Pouco depois,
ele morreu. Passaram-se anos, e eu quis visitar o túmulo dele. O
cemitério ficava no jardim no meio do convento. Perguntei pelo túmulo.
Um irmão me explicou: “Os túmulos de cartuxos não têm nomes na
cruz. Mas você poderá reconhecer o dele. Procure pela cruz com um
ramalhete de folhas de pinho. A irmã dele pediu que o colocássemos na
sua cruz”. Procurei e achei a cruz com o ramalhete de folhas secas.
P: E depois de terminar o colégio, o senhor ficou em Zagreb estudando?
R: Sim. Eu comecei a estudar Letras, embora o que eu quisesse mesmo
era estudar filosofia. Naquela época, a filosofia em Zagreb era dominada
por um grupo de marxistas reunido em torno da revista Práxis.
Eles propunham um marxismo “humanista”, o jovem Marx misturado
com Heidegger, como base ideológica para a assim chamada autogestão
iugoslava. Como a autogestão era uma farsa, inventada para encobrir
a ditadura do partido comunista, esse marxismo edulcorado era, para
mim, letra morta. Além disso, no colégio, eu tive uma sólida iniciação
em Kant, cujo pensamento acentuou a minha atitude crítica em relação
aos discursos vazios meramente retóricos, e, de sobra, pôs em questão
os fundamentos do meu cristianismo. Então, decidi estudar Letras, a
linguística e a literatura francesa e inglesa, pois achava que a literatura,
a do século XX em particular, tocava em temas que eram próximos da
filosofia e da teologia e, desse modo, atendia melhor do que o marxismo
croata os meus interesses intelectuais na época.
P: O senhor chegou a se formar em Letras?
R: Fiz quatro anos de disciplinas, sem terminar todos os exames finais.
Mas valeu, por que li muito e fiquei familiarizado com a linguística de
Saussure, Trubetzkoy, Hjemslev, Jacobson e outros.
P: É depois disso que o senhor sai da Croácia e vai para Bélgica?
R: Não exatamente. Em 1959, aos 19 anos, eu fui primeiro a Paris, para
estudar francês. Lá consegui um emprego como sacristão; depois de uns
três meses, recebi uma bolsa da Bélgica, da Universidade Católica de
Louvain. Fui para lá e comecei a estudar filosofia.
P: O senhor já falava bem francês?
R: Sim. No colégio clássico, eu havia estudado francês por oito anos,
além de latim e grego. Isso me permitiu ler Claudel, Mauriac, Bernanos
e Péguy ainda no colégio e depois na universidade. Aos 14, comecei a
estudar alemão por conta própria; com 18 anos, já lia alemão bastante
bem. Por muito tempo guardei antigas edições de poesias escolhidas de
Heine e de Goethe. Antes do final do colégio comecei a estudar inglês.
P: Então, nessa época, o senhor já conhecia umas cinco, seis línguas?
R: Pois é. Peguei o embalo. Já na universidade, estudei também um pouco
de russo e um pouco de italiano, tudo por conta própria.
P: Pelo visto, o senhor tinha uma grande facilidade para aprender outras
línguas.
R: Talvez, mas, como disse, o que eu tinha, sobretudo, era um grande fascínio
por aprender línguas. Como se o dicionário fosse o livro básico de
cada língua. O meu fascínio talvez tivesse algo a ver com o fato de cada
língua ser uma janela para um mundo diferente. Aprendendo línguas,
eu podia me transportar para esses outros mundos, fora da Croácia, na
qual eu me sentia intelectual, política e moralmente asfixiado. O estudo
do italiano, por exemplo, permitiu-me encontrar Pirandello. Li dele Sei
personaggi in cerca d´autore e outras peças. Pirandello me envolvia por
tratar da questão da identidade pessoal. A propósito das línguas, em
Louvain, uma amiga uruguaia se dispôs a me ensinar espanhol. Ainda
em Louvain e depois em Paris, conheci vários brasileiros e com eles
aprendi o português como uma criança, apenas ouvindo eles falarem,
sem ter jamais aberto uma gramática portuguesa.
P: Pelo visto, o estudo de línguas era importante na Croácia.
R: De fato, sem elas o futuro ficava estreito. Quem pretendia ter um peso
significativo na vida intelectual do país, tinha que saber várias línguas.
Havia poucas traduções. A grande literatura mundial, a filosofia, a ciência
só eram acessíveis a quem soubesse línguas.
P: Louvain, na época, era um centro importante de estudos fenomenológicos,
não era?
R: Era. Em Louvain ensinava Alphonse de Waelhens, estudioso de
Heidegger e amigo de Merleau-Ponty e de Lacan. Em 1950, De Waelhens
havia publicado um livro importante: Les psychoses. Mais tarde, juntamente
com outro professor de filosofia em Louvain, Antoine Vergote,
e o psicanalista Jacques Scott, ele fundou a Escola Belga de Psicanálise.
Jacques Taminiaux começava a despontar na área de fenomenologia. Lá
estavam também os arquivos Husserl, onde eram guardados os manuscritos
do filósofo. Um jovem franciscano belga, Herman van Breda, os
contrabandeou para a Bélgica, em 1938, e assim os salvou de uma possível
destruição na Alemanha. Os arquivos editavam as obras de Husserl,
a Husserliana, e eram visitados por estudiosos de vários países. Eu tive o
privilégio de participar por dois anos dos seminários de Rudolf Böhm,
aluno de Gadamer, na época assistente de edição. A gente se reunia semanalmente
nos próprios arquivos, na mansarda do Instituto de Filosofia,
que tinha tetos inclinados e paredes cobertas de livros da biblioteca pessoal
de Husserl. Nesse santuário, líamos, discutíamos
e rediscutíamos
transcrições dos manuscritos inéditos de Husserl guardados nos armários
ao nosso redor. Fazíamos a filosofia mais pura possível, no mais
puro estilo gadameriano.
P: Mas foi por isso que o senhor escolheu Louvain, isto é, o senhor já
sabia da direção a tomar?
R: Escolhi Louvain porque foi a universidade de lá que me deu a bolsa,
porque era uma universidade católica aberta aos movimentos sociais
da época, nos quais eu queria me envolver, e porque lá eu tinha amigos.
P: Foi também o seu interesse em Heidegger que o fez ficar em Louvain?
R: Heidegger foi um raio que me atingiu no primeiro ano de filosofia.
Eu tive a sensação de que, com Ser e tempo, a filosofia começava do zero.
P: E quando termina a sua graduação, em Louvain, o senhor já começa
o mestrado?
R: Depois de terminar a graduação, vou a Paris e lá escrevo a minha
dissertação de mestrado, que defendo em Louvain em 1965. Escolhi
como tema Heidegger e Hegel, por entender que Hegel era o principal
representante da metafísica que Heidegger queria desconstruir. De
resto, estou cada vez mais convencido que o principal interlocutor de
Heidegger na história da filosofia moderna não é Descartes, não é Kant,
não é Nietzsche, mas Hegel.
P: Trata-se, na sua dissertação, de um confronto de Heidegger com
Hegel?
R: Não exatamente. Mais bem de um diálogo com Hegel sobre a essência
da filosofia. Eu pressenti isso de alguma forma. Até hoje acho que
acertei, que meu faro foi bom.
P: Qual foi a importância dos seus professores de Louvain para sua vida
intelectual?
R: Meu orientador de mestrado foi De Waelhens. Sou grato a ele por
ter me aberto as portas para a fenomenologia e estimulado o meu interesse
por Heidegger. Foi ele também que me apresentou a Lacan. Outro
professor que me marcou foi Jean Ladrière. Graduado em matemática,
com tese de doutorado sobre os limites internos dos formalismos, ele
se tornou um filósofo brilhante, capaz de dar aulas inspiradoras sobre
Aristóteles, Hegel ou Marx, por exemplo. Embora fosse celibatário e vivesse
bastante recluso, podia ser muito direto e espontâneo no contato
pessoal. Foi essa humanidade dele, aliada a uma facilidade enorme de se
mover em diferentes campos teóricos, que me encantou. Ele encarnava
uma figura de intelectual que depois, num certo sentido, eu tentei seguir.
P: Depois do mestrado o senhor vem para o Brasil?
R: Não. Eu fico em Paris até maio de 1966.
P: Quais eram os seus interesses?
R: Continuei interessado em literatura. Ainda em Louvain, fiz seminários
com o padre e professor Charles Moeller, que tinha escrito uma
série de livros importantes sob o título “Literatura do século XX e cristianismo”.
Lembro-me de ter surpreendido Moeller com a tese de que
o recém-publicado livro de Simone de Beauvoir: Mémoires d´une jeune
fille rangée, de 1958, não era escrito como um documento autobiográfico,
factual, mas como uma autointerpretação construída segundo o
figurino da vida humana do existencialismo de Sartre. Em Paris, li o que
todos liam: os romances e o teatro de Sartre, Ionesco, Beckett, Camus,
Boris Vian... Na área de filosofia, eu estava dividido entre a fenomenologia
e a hermenêutica de Heidegger, por um lado, e a filosofia analítica da
ciência do positivismo lógico à la Carnap, por outro. Só muito mais tarde
consegui integrar esses interesses muito díspares numa visão unitária
da filosofia. Seguia os seminários de Paul Ricoeur sobre vários assuntos,
um deles sobre os The Blue and Brown Books de Wittgenstein, no qual
Emmanuel Levinas estava presente, e também os de Henry Birault, sobre
Heidegger. Ao mesmo tempo, eu frequentava cursos de filosofia da
ciência de Jules Villemin, no Collège de France, sobre Russel, sobre os
paradoxos, e ainda os seminários de filosofia da matemática de Roger
Martin, na École Normal Supérieure, sobre Frege. Cheguei até a seguir,
como ouvinte, cursos introdutórios de matemática.
P: Quando começou seu interesse pela matemática?
R: No secundário. Embora eu fizesse colégio clássico, eu me convenci
cedo de que conhecer bem matemática e física devia ser parte essencial
da minha formação. Li, por exemplo, um livro introdutório de Max
Born sobre a teoria da relatividade de Einstein. Tenho esse exemplar
comigo até hoje. Mas eu não queria ser matemático nem físico, queria
ser filósofo.
P: Essa certeza o senhor já tinha desde o início?
R: Desde os 15, 16 anos.
P: Havia nisso a influência da igreja, da proximidade com os jesuítas?
R: Certamente.
P: E depois de 1966, o senhor vem para o Brasil?
R: Não. Vou para Freiburg, atrás de Heidegger.
P: Heidegger ainda estava vivo nessa época?
R: Ele já era aposentado, mas estava ainda muito ativo. Lá tive uma
sorte extraordinária: no semestre do inverno 1966/67, fui admitido no
seminário que Heidegger deu com Fink sobre Heráclito. Era o último
seminário de Heidegger na universidade de Freiburg. Até hoje tenho
o certificado de participação assinado pelos dois. Tudo que foi dito foi
estenografado por von Herrmann e em seguida editado no volume 15
da Gesamtausgabe de Heidegger.
P: Que idade tinha Heidegger?
R: Tinha 77 anos e estava bem, fortão. Eu tinha 27 anos.
P: Como era a discussão?
R: Não havia discussão propriamente dita. Na fala de cada um apenas
ecoava a do outro, com dissonâncias. Parecia que os dois estavam mais
preocupados em discernir a voz de Heráclito, do que dar ouvido um ao
outro. Heidegger falava de modo absolutamente concentrado, fazia afirmações
decisivas e não reformulava nem corrigia o que dizia.
P: Devia ser emocionante!
R: Sim, era como seu eu estivesse presenciando o ressurgimento da filosofia
ocidental da sua origem, no seu todo. Fiquei particularmente
gratificado em constatar que um dos tópicos centrais de Heidegger era
a diferença entre a sua leitura aleteiológica do Logos heraclitiano e a interpretação
lógica, dialética, proposta por Hegel. Ficou confirmado que
meu tema de mestrado era de fato relevante.
P: E esse seminário fazia parte do seu doutorado?
R: Não, era um seminário avulso. Eu nem tinha começado meu doutorado.
Nos semestres seguintes, comecei a trabalhar num projeto de
reconstruir a estrutura da argumentação de Heidegger em Ser e tempo.
Eu queria desmontar e remontar essa obra. Tomei muitas notas, durante
vários anos, mas nunca terminei esse projeto. Mas meus primeiros artigos
sobre Heidegger, publicados no Brasil a partir dos anos 1980, apresentam,
de forma mais madura, alguns dos resultados aos quais cheguei.
P: O que mais o senhor fez na Alemanha?
R. Depois de Freiburg, fui a Heidelberg, onde, durante vários semestres,
fui aluno de Henrich, Gadamer e Tugendhat. Quem mais me marcou
foi Henrich, grande especialista em Kant e no idealismo alemão. O que
aprendi com ele foi a fazer filosofia ao modo dos alemães: pegar o touro
pelos chifres e dominar o touro. Aprendi a ser radical na filosofia,
ir até a fonte dos problemas e refazer todo o caminho das respostas.
Isso, para mim, transformou definitivamente a filosofia num desafio
pessoal. Sob a influência de Henrich, comecei a me interessar de novo
por Kant, autor que tinha lido já no colégio. Começo então a ler Kant,
palavra por palavra, frase por frase. Mas, para minha grande decepção,
não conseguia penetrar na estrutura do pensamento kantiano. Henrich
parecia ter chegado lá. Ao mesmo tempo, contudo, no verão, ele exibia
um estranho viés estruturalista que herdou de Gueroult. Ele dizia: hoje
só conhecemos 15% do texto de Kant. Isso significava, para mim, que,
diferentemente do que parecia, Henrich não tinha o domínio de Kant.
P: Ao que parece, o senhor ultrapassou o mestre. O senhor sabe 120%
de Kant.
R: Não é bem assim. Para mim era claro que quem lê Kant de forma
radical, sabe o que Kant deveria ter dito se fosse coerente. Isso é muito
mais do que mera filologia, do que o estudo de uma obra filosófica
como um monumento, como dizia Gueroult. O realmente importante
é descobrir a lógica e o desenvolvimento histórico das perguntas das
quais resultaram as obras monumentais, não espanar a poeira desses
monumentos. Os resultados dessa maneira de conduzir a pesquisa não
se medem em porcentagens.
P: Mas o senhor notou isso provavelmente porque já tinha esse tipo de
preocupação.
R: É verdade. Eu tinha apreciado muito o fato de Heidegger, em Ser e
tempo, pretender determinar a pergunta da qual nasceu a filosofia. Era
tudo ou nada. Reencontrei a mesma atitude no último Heidegger quando
diz: não lhes deixei obras, mas caminhos. Cheguei a pensar que o
estruturalismo de Henrich mal escondia que, no fundo, ele pretendia
fazer o mesmo que Heidegger, explicitar motivos e formas do filosofar
em geral. Essa ambição tornou-se visível no seu livro mais recente Der
Grund im Bewusstsein, de 1992.
P: Professor, estamos então em 1967-68. É mais ou menos nesse momento
que o senhor decide vir para o Brasil?
R: Resolvi vir para o Brasil em 1968. A minha bolsa acabou e o meu
projeto de doutorado sobre Heidegger não avançava como eu queria. Eu
não tinha nem ao menos um orientador e precisava achar um emprego.
P: E como se decidiu pelo Brasil?
R: Em 1963, antes mesmo de começar o mestrado, ainda na Bélgica,
eu me casei com Andrea [Maria Altino de Campos], pernambucana de
Recife, minha colega de turma. Para nós dois, o Brasil era a opção mais
viável.
P: O senhor veio para o Brasil porque estava casado com uma brasileira?
R: Não foi só por isso. Em Louvain, eu recebi uma oferta de trabalho
nos Estados Unidos. Duas até: uma para Washington e outra para
Indiana, de instituições católicas. Em princípio, podíamos decidir entre
Estados Unidos, Croácia e Brasil. Mas, para mim, naquela época, os
Estados Unidos não era, e nem hoje é, o lugar onde eu gostaria de viver.
O meu retorno para Croácia, parte da Iugoslávia, tornava-se cada
vez mais problemático intelectual e politicamente. Em 1968, ainda na
Alemanha, recebemos uma oferta de trabalho na Universidade Federal
de Pernambuco, em Recife, de Newton Sucupira, que posteriormente se
tornou membro do Conselho Federal de Educação. Aceitamos. Andrea
veio antes, em 1968, e eu vim depois, em março de 1969.
P: Então o senhor chega no Brasil em pleno AI-5?
R: Pois é. Passamos por momentos delicados. Andrea continuava ligada
a grupos de esquerda, inclusive a grupos de resistência armada.
P: E como foi a sua chegada ao Brasil? Era a primeira vez que o senhor
pisava em solo brasileiro?
R: Cheguei ao Brasil em 27 de março de 1969, numa sexta feira de carnaval.
Meu vôo da Aerolineas Argentinas ia para o Rio. Mas o avião teve
uma pane e fez escala em Recife, que era meu destino final. Falei com a
tripulação e eles me deixaram desembarcar. No sábado à noite, já participava
do famoso corso carnavalesco de Recife.
P: Quais foram suas primeiras impressões?
R: Ao sair de avião, senti um tremendo bafo de calor. Amanhecia.
Iluminou-se um imenso céu cor-de-rosa que cobriu todas as coisas: o
aeroporto, a favela diante dele, a cidade toda.
P: O senhor nunca tinha visto favela?
R: Nem aquele céu imenso, cor-de-rosa, nem aquela favela espremida
embaixo dele.
P: E o senhor aceitou, ou não, esse emprego na Universidade de Recife?
R: O que aconteceu foi que Newton Sucupira, que havia nos convidado,
tinha se desentendido com o Departamento de Filosofia e foi para a
Faculdade de Educação. O convite, que havia sido feito por ele, não teve
continuidade. Mas poucos dias depois recebemos uma proposta muito
vantajosa do Departamento de Filosofia da Universidade Federal da
Paraíba. Aceitamos e assumimos em 14 de abril.
P: Foi lá que o senhor começou a lecionar filosofia da ciência?
R: Sim, embora o meu primeiro curso tenha sido mesmo sobre
Heidegger. Usei como texto Introdução à metafísica, que acabara de ser
traduzido para o português por Carneiro Leão (1966). Durante as aulas
eu costumava escrever umas palavras em alemão e grego na lousa e isso
virou chacota. Fiquei profundamente chocado. Fechei os meus livros de
Heidegger e comecei a ensinar filosofia da ciência.
P: O senhor fez essa opção por motivos meramente circunstanciais?
R: Não, não. A minha constatação da total inutilidade de ensinar
Heidegger na Paraíba coincidiu com a reforma universitária que propunha
um ciclo básico para todos os alunos das universidades brasileiras.
Andrea e eu propusemos que, como parte da reforma, houvesse um
semestre de lógica e filosofia da ciência. Conseguimos pôr em prática
essa ideia na Paraíba já em 1970. Nosso projeto, baseado essencialmente
na filosofia da ciência do positivismo lógico, começou em seguida a
ser aplicado nas universidades federais de Natal, Aracaju e outras universidades
nordestinas. Para formar professores, criamos um Curso de
Especialização em Lógica e Filosofia da Ciência, talvez o primeiro do
Brasil no gênero e certamente um dos primeiros em nível de pós-graduação
na Paraíba. Esse curso tornou-se o ponto de partida da criação
posterior do Mestrado em Filosofia na Federal de João Pessoa.
P: Então o senhor pensou que ensinar a filosofia da ciência era melhor
que ensinar Heidegger?
R: Sim, naquelas circunstâncias. Eu achava que o ensino de filosofia da
ciência poderia ser uma contribuição importante da filosofia para a elevação
do nível das universidades brasileiras. Eu tinha em vista a formação
de uma classe intelectual suficientemente qualificada para promover
a modernização e o crescimento do Brasil. Essa visão derivava da minha
filiação intelectual à social-democracia alemã e, em última instância, ao
iluminismo kantiano. Tomei essa tarefa muito a sério de modo que, de
1970 a 1972, eu mesmo me fiz aluno regular da matemática, assistindo
aulas, fazendo provas e tudo mais.
P: Nesse momento, o senhor já começou a estudar Kuhn também?
R: Sim. Li o livro de Kuhn The Structure of Scientific Revolutions na segunda
edição inglesa, de 1970.
P: O livro de Kuhn já tinha sido traduzido para o português?
R: Não, ele só foi traduzido em 1975, pela editora Perspectiva, sob o
título A estrutura das revoluções científicas.
P: E o que, de Kuhn, professor, veio ao encontro de suas pesquisas?
R: Kuhn diz que uma ciência empírica não é conjunto de verdades comprovadas
sobre a natureza, mas uma atividade de resolução dos problemas
factuais guiada por paradigmas, isto é, por exemplares, problemas
clássicos resolvidos com sucesso, e por conjuntos de compromissos teóricos,
lógicos, matemáticos e materiais. Quando a atividade de resolução
de problemas, numa dada ciência, se defronta com muitos problemas
insolúveis, o paradigma dessa ciência é substituído por outro mais frutífero
para a pesquisa. A história de uma ciência empírica consiste, no
essencial, desse tipo de substituição, que Kuhn chamou de revoluções
científicas, por analogia às revoluções políticas. Eu tomei isso como
obviedade, pois sabia, como estudante da matemática, que Descartes
criou o cálculo algébrico e Newton, com Leibniz, o cálculo infinitesimal
precisamente para resolver problemas não solúveis pela matemática
grega e que as soluções que eles propuseram tornaram-se modelos
para o ensino e a pesquisa nessas ciências. Sabia o suficiente também da
física para constatar que compromissos teóricos novos, diferentes dos
da física aristotélica, foram introduzidos por Descartes e Newton para
poder resolver problemas relativos à estrutura e ao funcionamento do
mundo físico, em particular, do nosso sistema planetário, e de uma série
de outros problemas, de ótica, de meteorologia, biologia, medicina etc.
P: Quer dizer que o senhor era já um kuhniano avant la lettre?
R: Talvez, mas num sentido muito restrito. Quando publicou o seu livro,
em 1962, Kuhn já era um mestre, e eu, em 1970, um aprendiz.
P: E qual era a formação de Kuhn, professor?
R: Ele era físico, um físico que aos poucos foi na direção da psicologia da
pesquisa e da história da ciência.
P: Como o senhor consegue compatibilizar as teses de Kuhn com o positivismo
lógico?
R: Para Kuhn, a matemática e a lógica, em diferentes versões, são parte
essencial dos sucessivos paradigmas da ciência moderna da natureza.
Para Carnap e outros positivistas lógicos, a tarefa fundamental da filosofia
era a de propor uma linguagem unificada, ou seja, um quadro
categorial ou um léxico baseado na lógica e na matemática, no qual seria
possível formular e resolver os problemas científicos de todas as áreas.
Essa linguagem não era concebida como conjectura, mas como condição
de possibilidade, no sentido de Kant, da atividade científica. Contudo,
diferentemente do que sustenta Kant, os neopositivistas não entendiam
que a linguagem da ciência pudesse ser determinada de uma vez por
todas com base no modus operandi da razão humana. Entendiam que
a razão humana tem história e que toda linguagem racional podia ser
substituída por uma nova em função do surgimento de novos problemas
legítimos, embora insolúveis na linguagem antiga. Eles próprios
elaboraram várias linguagens alternativas, motivados pelas dificuldades
internas ou pela ineficácia heurística das linguagens propostas anteriormente,
não por elas terem sido refutadas como falsas. Dizer algo assim
não teria sentido. À luz de tais considerações, descobri que existe uma
filiação profunda entre Kuhn e a filosofia da ciência do positivismo lógico.
Ao mesmo tempo, constatei, como muitos outros, que as teses de
Kuhn eram incompatíveis com as de Popper, declarado opositor do positivismo
lógico, que concebia a atividade científica precisamente como
um jogo de conjecturas e refutações.
P: E como foi que o senhor saiu da Paraíba e veio para a USP?
R: Em 1971, ao saber da introdução do ensino da filosofia da ciência
em cursos do ciclo básico de certas universidades nordestinas, Hugh
Mathew Lacey, professor da USP, escreveu uma carta pública criticando
essa iniciativa dizendo que a realização desse projeto era inviável, por
ele ser o único filósofo da ciência do país. Eu escrevi a ele de volta, expliquei
o nosso projeto e nos tornamos bons amigos. Em 1972, Lacey
teve que deixar Brasil e Oswaldo Porchat me transmitiu o convite do
Departamento de Filosofia da USP para assumir como sucessor dele.
Andréa foi convidada para ensinar lógica. Assumimos no dia 15 de março
de 1973.
P: E como foi o seu período de permanência na USP?
R: Na USP não tinha lugar nem para meu Heidegger nem tampouco
para a versão da filosofia da ciência que eu privilegiava. Ensinar
Heidegger já era visto, digamos assim, como politicamente incorreto. O
positivismo lógico, com ou sem Kuhn, era considerado algo totalmente
superado pela filosofia crítica da Escola de Frankfurt. A razão calculadora
que o positivismo lógico tentava manter viva e fortalecer deveria
ser desmascarada como semente da barbárie, conforme dizem Adorno
e Horkheimer na Dialética do iluminismo, quando não denunciada veementemente
como instrumento do imperialismo americano ou mesmo
da ditadura brasileira. Para a maioria dos professores, com exceção do
assim chamado grupo do Porchat, o ensino de filosofia da ciência podia
tranquilamente ser feito com base nos grandes autores, Descartes, Locke,
Hume, Kant. Nessas circunstâncias, deixei Heidegger de lado. Não insisti
sobre o meu repúdio às teses de Adorno e Horkheimer a respeito
da razão calculadora. Cheguei até a traduzir textos desses autores por
entender que eles retomam, sem o devido reconhecimento desse fato, a
crítica de Heidegger à técnica moderna. Esperei muito mais do diálogo
com meus colegas sobre Descartes. Descartes era lido na USP com base
em Gueroult. Para Gueroult, a filosofia de Descartes era como um único
bloco de verdades absolutamente certas e dedutivamente encadeadas,
ou seja, um sistema axiomático constituído segundo o método axiomático
de Euclides. As Meditações de Descartes seriam uma réplica filosófica
dos Elementos de Euclides. Eu descobri logo que as Meditações não
continham nenhum sistema axiomático, mas a solução de um problema
filosófico novo: determinar quais dados, além do “eu penso”, podem ser
tomados como certos ou, pelo menos, como confiáveis o suficiente para
que, a partir deles, seja possível maximizar o nosso saber científico sobre
o mundo físico e minimizar os erros do nosso agir sobre ele. O método
pelo qual esse problema foi resolvido não era o método axiomático de
Euclides, mas o método de análise e síntese de Pappus e Diofanto. De
posse desse resultado, passei a ver em Descartes um grande cientista que
se tornou um grande filósofo por ter elaborado um quadro geral no
qual ele podia formular e resolver tanto os problemas da matemática
e da física como os da práxis humana relativos ao agir com respeito a
fins. Para confirmar essa minha leitura kuhniana de Descartes, comecei
a estudar os textos científicos de Descartes, anteriores às Meditações.
Lendo a La Geometrie, descobri rapidamente que, nessa obra, Descartes
não usa o método axiomático, nem constrói um sistema axiomático. Já
nas Regulae, uma das suas primeiras obras, ele deixa claro que o método
axiomático de Euclides é estéril, servindo apenas para ensinar, e não
como o quadro de resolução de problemas abertos da geometria. Para
esse fim, Descartes cria em La Geometrie o cálculo algébrico, ou seja,
um sistema de equações algébricas acompanhadas de algoritmos de sua
resolução. O método de análise de Pappus e Diofanto é usado para achar
as equações algébricas dos problemas. A combinação desses dois procedimentos,
um algorítmico e o outro heurístico, na resolução de problemas
da geometria é ilustrado pela solução do problema de Pappus, que
até então havia resistido à resolução por meios da “álgebra dos antigos”.
O defeito principal dessa álgebra era o de definir os procedimentos de
resolução de problemas na linguagem geométrica, ou seja, como procedimentos
de construção no espaço de entidades geométricas, pontos,
retas etc. Descartes criou uma nova linguagem que lhe permitiu definir
os procedimentos de resolução como operações com letras, muito
mais fáceis e evidentes. Na física, veja-se La Dioptrique e Les Meteores,
Descartes operou a mesma mudança pelos mesmos motivos: substituiu
a linguagem qualitativa de Aristóteles pela linguagem matemática e deu
nova vida à linguagem mecânica de Demócrito. Voltei às Meditações e
constatei que elas podiam ser relidas como continuação e radicalização
dessa mesma linha de pensamento: como criação de uma linguagem
unificada para o saber humano no seu todo, constituída de termos cujos
referentes e sentidos podiam ser determinados com clareza e distinção,
e de enunciados cuja verdade ou falsidade podia ser estabelecida além
de qualquer dúvida razoável. Ou seja, eu vi em Descartes o criador dos
componentes científico, metodológico e ontológico do paradigma da
ciência
moderna, sendo que o léxico não aristotélico do componente
ontológico era o seu aspecto mais relevante para a história futura da
ciência
ocidental. Apresentei as primeiras versões de algumas dessas
ideias em 1974, numa reunião da SBPW em Recife. Os meus colegas
da USP ficaram escandalizados. A minha esperança de diálogo com
eles sobre Descartes fracassou redondamente. Mesmo assim, em 1975,
publiquei um longo artigo sobre o meu Descartes heurístico na revista
Discurso, do Departamento [“À procura de um Descartes segundo a ordem
das dificuldades”, 1975]. Depois disso, fechei-me na minha redoma,
e continuei dedicando muito tempo ao estudo adicional de Descartes
e também da história da matemática e da astronomia pré-cartesianas,
procurando por métodos de resolução de problemas.
P: E como é que o senhor vai parar na Unicamp?
R: Em 1977, Porchat me chama para coordenar a área de filosofia da
ciência no Centro de Lógica da Unicamp e eu aceito, com alívio.
P: E Heidegger?
R: Heidegger ficou lá onde o deixei na Paraíba, na gaveta. Nas aulas,
eu continuei a desenvolver a epistemologia dos problemas e respostas,
que chamei de heurística. Nas pesquisas pessoais, continuei a trabalhar
sobre o Descartes heurístico que descobri na época da USP. Pensei até
em fazer a tese de doutorado sobre esse tema. Não terminei esse projeto,
por ter feito, em 1978, uma descoberta que me parecia muito mais importante:
a de que Kant, assim como Descartes, era um teórico de problemas,
a saber, de problemas da razão pura teórica, cuja resolução era
baseada numa teoria a priori do significado e da verdade, isto é, numa
semântica a priori. Em outras palavras, descobri um Kant heurístico e,
associado a este, um Kant semântico. A grande novidade de Kant em
relação a Descartes consistia no fato de ele ter renunciado não somente
a toda metafísica, teoria do suprassensível, incluindo aí o Deus cartesiano,
mas também à ontologia, teoria do ente como tal em geral. Ele
não somente retirou o peso ontológico do eu sou de Descartes, como
retirou o caráter do em si da natureza. O que para Descartes ainda era
obra de Deus, Kant reduziu ao conjunto de dados sensíveis que precisavam
ser organizados pelos recursos a priori da nossa sensibilidade de
modo a poderem ser usados como elementos do domínio de aplicação
dos conceitos e das leis do entendimento humano. As ideias da razão
teórica receberam uma nova função, a de servirem, na qualidade de ficções
heurísticas ou de especulações, como guias de pesquisa na ciência
empírica da natureza. Cheguei a esse resultado sobre a filosofia teórica
de Kant via Carnap, leitor de Kant, não via Kuhn. Mais tarde, eu vi Kuhn
se dizer um kantiano pós-darwiniano. Mais recentemente ainda, tive
conhecimento do fato de que Carnap, na qualidade de editor, aprovou
com entusiasmo a publicação de The Structure of Scientific Revolutions,
em 1962, e expressou, em cartas dirigidas a Kuhn, seu pleno acordo com
a concepção kuhniana da natureza das teorias científicas e das causas e
formas da sua modificação. Eu estava em família. Minha pesquisa sobre
Descartes deu origem uma série de artigos, vários deles reunidos em
meu Descartes heurístico (1997), e a tese sobre Kant tornou-se minha
tese de doutorado (1982). Ela foi publicada em 2000, com o titulo A semântica
transcendental de Kant, seguida de um série de trabalhos sobre
Kant. O parágrafo final da minha tese assinala um parentesco kantiano
entre Carnap e Heidegger. Na época, tratava-se mais de um vislumbre
do que de uma afirmação comprovada, cujas implicações só ficaram
claras para mim com o passar do tempo. Assim mesmo, o problema da
relação entre Carnap e Heidegger motivou, de maneira silenciosa, uma
boa parte do meu trabalho filosófico posterior a 1982.
P: Foi na Unicamp que o senhor começou a se interessar pela psicanálise?
Como foi que esse interesse teve início?
R: Quando me tornei coordenador do Centro de Lógica, em 1983, disse
a mim mesmo: já temos muita lógica e filosofia das ciências naturais no
nosso programa, precisamos incluir a filosofia de uma ciência do homem.
A economia ou a sociologia do tipo marxista eram coisas do passado; a
psicologia empírica do tipo behaviorista, que estava na moda naquela época,
parecia-me um atraso de vida. Piaget era uma possibilidade, mas não
me encantava. Então, surgiu-me a ideia de escolher a psicanálise. Freud,
afinal, reivindicava o caráter científico da disciplina que criou. Como essa
pretensão era problemática e, mesmo assim, a psicanálise ocupava um
lugar relativamente importante na vida cultural do Brasil, pareceu-me
que ela podia ser um objeto interessante de estudo da filosofia da ciência.
Em 1983, consegui a aprovação do curso Fundamentos Filosóficos da
Psicologia e da Psicanálise, FFPP, pelo Conselho Universitário. Constitui
uma equipe de professores com Roberto Monzani, que já era do programa,
e trouxe para a Unicamp Osmyr Gabbi Jr. e Bento Prado. O curso
começou em 1984 e logo ficou conhecido no país todo.
P: Quando o senhor criou o curso já existia no Brasil um interesse pela
filosofia da psicanálise? Alguém já fazia filosofia da psicanálise?
R: Não no nível acadêmico, que eu saiba. O nosso curso foi o primeiro
no Brasil dedicado especificamente à filosofia da psicanálise.
P: Qual era o programa do curso?
R: Era centrado no estudo de Freud.
P: E o senhor já conhecia bem Freud?
R: Eu tinha lido psicanálise, basicamente Freud e Lacan, quando ainda
estava em Paris, mas sem entusiasmo. Os três ensaios sobre teoria da sexualidade
diziam coisas muito distantes da minha experiência de vida.
Freud insistia nos ganhos pessoais, sociais e culturais que resultariam,
por sublimação, da repressão da sexualidade; eu via nesta um modo
privilegiado de relacionamento e de comunicação entre os seres humanos,
portanto, algo a cultivar, enriquecer, não a sublimar. Totem e tabu
propunha um mito, o do pai da horda primitiva, como reforço a outro
mito, o do Édipo, que Freud introduziu para ilustrar o que considerava,
por razões que me deixavam cético, ser o episódio decisivo no desenvolvimento
individual e coletivo dos seres humanos.
P: O senhor achou que Totem e tabu era uma obra de ficção?
R: Exatamente, uma ficção, sem relevância científica real. Além disso,
eu não via nenhuma relação interessante entre as formas primitivas da
religiosidade descritas por Freud nesse obra e a religiosidade da minha
juventude.
P: E Lacan?
R: Eu fiz seminários com Lacan na École Normale Supérieure, na Rue
d´Ulm, de novembro de 1965 até maio de 1966. O primeiro seminário
que assisti é o último texto da coletânea Écrits, publicada por Lacan em
1966, que se chama “La science et la vérité”.
P: Por que Lacan?
R: Lacan era alguém que, na época, todo mundo queria ouvir falar. O
meu orientador de mestrado, Alphonse De Waelhens, que era amigo de
Lacan, escreveu, para mim, uma carta de recomendação a Lacan. Eu fiz
uma pequena entrevista com ele e fui aceito para o seu seminário.
P: Mas não que o senhor já tivesse interesse especial pela psicanálise.
R: Bem, eu tinha dúvidas sobre mim mesmo, aquelas dúvidas que uma
pessoa costuma ter quando jovem. Mas o meu horizonte intelectual era
constituído pela filosofia analítica da ciência, pela visão do homem baseada
na analítica existencial de Heidegger e pela religiosidade que tinha
elementos da mística monacal, ainda que mitigada pelas incertezas
quanto ao caráter extático da relação do homem com Deus.
P: Ou seja, é só nessa ocasião, em 1983-84, que o senhor começa a ler
Freud como um cientista que merece ser levado em conta pelos filósofos.
R: De fato. Nessa época, eu já tinha elementos de uma epistemologia
heurística, que é uma generalização das posições de Kuhn realizada com
recursos retirados da história da epistemologia e da ciência, além da
lógica contemporânea; tinha o meu Descartes e o meu Kant, ambos solucionadores
de problemas científicos e filosóficos. Lendo Freud nesse
contexto, notei rapidamente que ele apresentava a psicanálise como um
quadro para a resolução de certo tipo de problemas médicos factuais,
a saber, as neuroses. Esse quadro era constituído pela solução do problema
edípico, solução baseada na sua teoria da sexualidade e na sua
metapsicologia, na qual eu reconheci uma reedição do método especulativo
de Kant. Vista assim, a psicanálise de Freud tinha todas as características
básicas de um paradigma kuhniano em construção. Somava-se
a isso o fato de que Freud defendeu e fez valer as suas ideias usando
precisamente aqueles meios que, segundo Kuhn, tornam vitoriosas as
mudanças paradigmáticas. Em 1985, publiquei um artigo sobre esses
resultados, sob o título “Resistências à psicanálise”. Contudo, como a
opção por Kuhn, em contraposição a outros filósofos da ciência, não
era aceita por todos os filósofos e como Kuhn não era conhecido entre
os psicanalistas, fiz um uso discreto de suas ideias. Ao mesmo tempo,
eu tinha sérias reservas quanto à aplicação do método especulativo de
origem kantiana nas ciências do homem e me recusava a aceitar as teses
de Freud da espacialidade e da atemporalidade do inconsciente. Achava
que a primeira tese era um erro categorial grave; anos depois, reconstruí
a mesma objeção com base em textos de Lipps. A segunda tese, sobre a
atemporalidade do inconsciente, repousava sobre a suposição de que o
conceito kantiano de tempo linear intuitivo era o único que tínhamos.
Essa suposição era errada, visto que Heidegger, em Ser e tempo, já havia
mostrado a existência de um tempo originário circular, que não era
uma forma de intuição ou de representação, mas a forma, o “horizonte”,
da vida humana. Tendo percebido que a novidade de Freud não estava
nas suas teses filosóficas, conservadoras, mas na sua psicologia clínica
inovadora, esforcei-me por descobrir, na obra dele, traços de descrições
de uma temporalidade do inconsciente. Achei de fato elementos de uma
temporalidade circular do inconsciente freudiano em textos tais como
“O poeta e o fantasiar” (1908) e “Inibição, sintoma e angústia” (1926) e
tentei apresentar uma interpretação heideggeriana desse resultado.
P: E quanto a Lacan? Ele também é um solucionador dos problemas?
R: Lacan, desde o início, me parecia ser apenas um falador, um histriônico.
P: E a matemática da teoria dele?
R: Não serve para nada; consiste de frases de efeito, meramente retóricas.
Lacan pode ter seus méritos, mas, quando usa lógica e matemática,
na maioria das vezes ele não diz coisa com coisa ou então faz analogias
extravagantes, totalmente arbitrárias; enfim, ele usa a matemática
avançada, que ele não domina, não para fazer ciência, mas para impressionar
e seduzir um público em geral, ignorante em matemática.
Lacan degradou a teorização metapsicológica de Freud em retoricação.
Recentemente, Alan Sokal e Jean Bricmont (1997) explicitaram devidamente
esse ponto num livro intitulado Imposturas intelectuais.
P: E aí, como é que Winnicott entra na sua vida intelectual?
R: Por influência de Elsa [Oliveira Dias], minha segunda mulher.
P: Quando e como o senhor a conheceu?
R: Eu a conheci em agosto de 1980. Comecei a dar um grupo de estudos
sobre Ser e tempo de Heidegger para um pequeno número de terapeutas
de orientação daseinsanalítica, proposta por Medard Boss, com base na
analítica existencial de Heidegger. Até o momento, eles haviam feito a
leitura de Heidegger no viés que lhe era dado por Sólon Spanoudis, um
médico grego, radicado em São Paulo e que se tornara amigo pessoal e
estudioso de Boss. Não tinham tido, ainda, uma introdução propriamente
filosófica a Ser e tempo. Boss era psiquiatra e amigo pessoal de
Heidegger. Foi ele quem sediou, em sua casa no bairro de Zollikon, em
Zurique, os famosos Seminários de Zollikon, proferidos por Heidegger
durante 15 anos. Elsa fazia parte desse grupo de estudos, tanto que ela
está mencionada na dedicatória que faço ao grupo num artigo “A fenomenologia
do agir em Sein und Zeit”, de 1982, que escrevo inspirado
nessa minha retomada de Heidegger: dedico o artigo “aos analistas de
meu Heidegger esquecido”.
P: O que aproximou vocês, intelectualmente falando, foi Heidegger?
R: Inicialmente foi Heidegger. Em meados dos anos 1980, os problemas
clínicos aparentemente insolúveis tanto pela daseinsanálise como pela
psicanálise freudiana, levaram Elsa a procurar por uma solução, primeiro
em Masud Khan e, depois, em Winnicott. A par das minhas pesquisas
sobre a filosofia da psicanálise expostas em aulas na Unicamp, ela me
dizia que Winnicott tinha resposta para muitas das indagações que eu
me fazia sobre Freud e Lacan. Winnicott não recorria a especulações
metapsicológicas e reconhecia explicitamente a temporalidade do existir
humano como tal e, portanto, também a do inconsciente. Mais ainda,
na opinião de Elsa, existiam semelhanças significativas entre Winnicott
e Heidegger, em particular, no que diz respeito à centralidade da questão
do ser na vida humana. Até então, o meu único contato com Winnicott
era o seu livro Playing and Reality, que comprei em Londres em 1972,
talvez levado pelo título sugestivo. Na época, a leitura, em diagonal, não
me disse muita coisa.
P: Em que ano o senhor começa a ler Winnicott a sério?
R: A partir de 1992. No começo, eu estava desconfiado, mas muito rapidamente
mudei de opinião e concordei com Elsa. Já em 1994, a convite
de Roberto Graña, eu participei do III Encontro Latinoamericano sobre
o Pensamento de Winnicott, em Gramado, com o trabalho “Winnicott e
Heidegger: primeiras aproximações”, inspirado por Elsa. Graña primeiro
convidou Elsa e soube por ela que eu também trabalhava Winnicott
e me convidou também.
P. Como foi o início desses contatos de vocês com os winnicottianos
brasileiros?
R: Em abril de 1993, Elsa eu fomos participar de um evento, Jornadas de
epistemologia e psicanálise, em Montevidéu. Eu falei sobre meu Freud
solucionador de problemas de neurose e Elsa sobre seu Winnicott clínico.
A fala de Elsa agradou muito, a ponto de o Dr. Prego, psiquiatra
infantil, um dos pioneiros dos estudos winnicottianos no Uruguai
e no Brasil, vir nos visitar no hotel e convidar Elsa para o II Encontro
Latinoamericano sobre o Pensamento de Winnicott que ia ser organizado
em outubro do mesmo ano, em Montevidéu. Nessa ocasião, Elsa
conheceu Graña, que me convidou para o III Encontro que ocorreria no
ano seguinte, 1994, em Gramado.
P: Em 1995, o senhor organiza um primeiro colóquio Winnicott em São
Paulo, não é?
R: A minha ideia era realizar um evento no qual os participantes paulistas
do Encontro de Gramado reapresentariam os seus trabalhos. Falei
com Gilberto Safra e nós organizamos esse evento na PUC-SP, a quatro
mãos.
P: No mesmo ano, o senhor começa a falar do paradigma winnicottiano,
uma psicanálise não-edípica, sem metapsicologia, baseada na teoria do
amadurecimento. A ideia do paradigma winnicottiano pegou logo?
R: Não, só aos poucos e principalmente entre os jovens pesquisadores,
como toda ideia nova. Em 1996, eu abri o I Encontro do Grupo
de Psicanálise de Ribeirão Preto, dedicado ao centenário da descoberta
freudiana do Édipo, com a palestra “Édipo pós-Freud” [publicada em
1996, na revista Percurso, sob o título “Winnicott: uma psicanálise não-
-edipiana”]. Nessa palestra, enuncio e defendo, pela primeira vez publicamente,
a tese de que Winnicott criou um novo paradigma para a psicanálise,
no qual o complexo de Édipo deixou de ser o problema exemplar
cedendo esse papel ao conjunto de problemas do bebê no colo da mãe;
de que a teoria freudiana da sexualidade foi incluída numa teoria mais
ampla, a do amadurecimento, e de que a especulação metapsicológica
foi abandonada como forma de teorização e substituída pela abordagem
descritiva da experiência clínica e cotidiana. Foi mais um escândalo
que causei. Os primeiros que levaram a sério as minhas teses foram os
meus alunos da PUC-SP e da Unicamp. Eles passaram a fazer parte do
Grupo de Pesquisa em Filosofia e Práticas Psicoterápicas (GrupoFPP),
que fundei em 1995. Em 1999, já tínhamos força suficiente, aumentada
por várias adesões externas, para iniciar a revista Natureza humana dedicada
ao estudo do paradigma winnicottiano à luz da analítica existencial
de Heidegger e outros referenciais afins. Em 2001, apresentei o conjunto
das minhas teses sobre o paradigma freudiano, sobre a crise que
motivou Winnicott a elaborar um paradigma alternativo e a estrutura
desse novo paradigma no artigo “Esboço do paradigma winnicottiano”
[cf. Cadernos de História e Filosofia da Ciência, v. 11, n. 2; tradução iglesa
em Jan Abram: Winnicott Today, London, Routledge, 2012]. No mesmo
ano, Elsa e eu criamos o Centro Winnicott de São Paulo, como quadro
institucional para supervisão tanto de meus orientandos de mestrado
ou doutorado em psicanálise winnicottiana como de profissionais em
geral que queriam receber orientação clínica nessa perspectiva. Os supervisores
eram Edna Vilete, Ivone Accioly Lins, Orestes Forlenza Neto
e Elsa. Em 2002, eu dou início, na COGEAE da PUC-SP, a uma série de
cursos de extensão sobre Winnicott que terminam em 2005. Em 2003,
Elsa e eu criamos a Escola Winnicottiana de Psicanálise e, dentro dela,
um Curso de Formação. Em 2005, fundamos a Sociedade Brasileira de
Psicanálise Winnicottiana.
P: A gente já tinha também um grupo de estudos com Elsa, desde 1999.
R: Ah, sim. Esse grupo se reunia lá em casa, uma vez por mês.
P: Esse grupo foi que deu início ao Curso de Formação, em 2003.
R: Dele saiu a primeira turma desse Curso. Fazíamos também seminários
avançados dos quais participavam Edna e Ivone. Edna vinha do
Rio especialmente para isso. Certo dia apareceu Orestes. Isso tudo já era
preparação da Escola.
P: Professor, o senhor poderia falar um pouco mais sobre os resultados
da sua leitura kuhniana de Winnicott?
R: Bem, o principal resultado foi, sem dúvida, a descoberta de que
Winnicott mudou o paradigma da psicanálise e, dessa forma, gerou
uma revolução científica que trouxe um avanço decisivo à disciplina
criada por Freud. Com base nesse resultado, elaborei uma linha de pesquisa
cujos objetivos principais eram estudar a crise da psicanálise tradicional
que motivou a pesquisa revolucionária de Winnicott e da qual
surgiu o paradigma winnicottiano; articular a estrutura interna desse
paradigma; analisar os casos clínicos winnicottianos como exemplares
do tipo kuhniano e contribuir para o desenvolvimento da psicanálise
winnicottiana ela própria, levando em conta os problemas clínicos e
sociais atuais, bem como o estado das ciências do homem nos dias de
hoje. Assim foi aberto o caminho para uma série de pesquisas, minhas
e de membros do GrupoFPP, várias das quais foram reunidas recentemente
no volume Winnicott na Escola de São Paulo [Coleção Psicanálise
Winnicottiana, DWW editorial, 2011]. Eu mesmo reconstruí um conceito
especificamente winnicottiano de inconsciente, o de não-acontecido,
refiz a sua teoria da sexualidade, a da existência psicossomática,
do amadurecimento moral, da experiência cultural, da ética do cuidado,
da estrutura da personalidade e a da sociedade, entre outros temas.
Chamei a atenção do grupo para o conceito de manejo (management),
que, embora central da clínica winnicottiana e novo no pensamento
psicanalítico em geral, estava sendo negligenciado até mesmo entre nós.
Assim como a interpretação tradicional, também o manejo pressupõe a
compreensão da situação do paciente, contudo, diferentemente da interpretação,
não se limita a verbalizar o compreendido, mas intervém
efetivamente no sentido de modificar e favorecer a situação, desobedecendo,
portanto, à regra freudiana de abstinência. Desde os primeiros
textos, enfatizei o fato de que Winnicott renovou o diálogo da psicanálise
com a poesia, a religião e, também, com a filosofia, confirmando a
tese de Kuhn de que toda ciência factual tem uma dimensão filosófica.
Ficou logo claro para mim que a psicanálise winnicottiana focalizava
fenômenos que Heidegger chama de modos de existir do ser humano e
que, por essa razão, ela foi se distanciando progressivamente não apenas
da psicanálise freudiana, mas de toda teoria do homem centrada
no estudo de processos mentais. Trabalhei na articulação do componente
filosófico da psicanálise winnicottiana com base em Heidegger,
desenvolvi estudos sobre o estado inicial não-relacional do não-ser e da
não-vida, a emergência do ser humano do não-ser, a questão do sentido
do ser, a temporalidade circular e a finitude do existir humano, a
espontaneidade e a criatividade, o alojamento no corpo. A relacionalidade
do existir humano, isto é, o desenvolvimento progressivo, desde o
estágio de dependência absoluta até a independência relativa na idade
madura, das relações objetais com fundamento em relações ambientais
(no ser-no-mundo, como diria Heidegger) tornou-se um dos assuntos
centrais. Tentei compreender a natureza não-representacional dessas relações
nos estágios iniciais do amadurecimento. Abordei, ainda, a recaída,
na velhice, à situação de dependência e as condições que permitem
ao ser humano dar-se ao luxo de sacrificar a espontaneidade e até de
morrer, de deixar para trás todas as relações nas quais se envolveu e de
retornar ao estado inicial não-relacional de não-ser e de não-vida, à pré-
-dependência. Acabei concluindo que, ao invés de dizer que Winnicott
reeditou a teoria da mente ou mesmo uma psicologia, parece mais correto
afirmar que ele encaminhou suas pesquisas na direção do que, desde
Kant, os filósofos chamam de antropologia. O referencial filosófico
a ser usado para esclarecer e elaborar, de modo frutífero, a psicanálise
winnicottiana não é a filosofia de Kant, horizonte do pensamento
freudiano, mas a de Heidegger de Ser e tempo. Lendo Winnicott, eu me
sentia em casa. Ou, se vocês quiserem, eu trouxe Winnicott para minha
casa. Meus colaboradores, em dissertações, teses e outros trabalhos, seguiram
a mesma linha de pesquisa, abordando outros aspectos da psicanálise
winnicottiana. O livro de Elsa A teoria do amadurecimento de
D. W. Winnicott (2003), que aborda o processo de amadurecimento, a
espinha dorsal da psicanálise winnicottiana, tornou-se a referência central
da Escola Winnicottiana de São Paulo, um clássico. Hoje está sendo
traduzido para várias línguas. O conjunto dessas pesquisas revelou vários
aspectos fundamentais da contribuição de Winnicott ao progresso
da psicanálise: o aumento significativo de casos que podem ser tratados
psicanaliticamente devido às modificações importantes na técnica clínica;
o fato de que, com Winnicott, desapareceu um número substancial
de impasses teóricos da psicanálise freudiana como o naturalismo de
Freud, a indigesta pulsão de morte etc.
P: Como o senhor responde à objeção de que o conceito kuhniano de
paradigma não se aplica às ciências humanas e, portanto, também não
à psicanálise?
R: Evidentemente, a teoria kuhniana de paradigmas, elaborada para
servir de quadro de estudo da história da física e de outras ciências da
natureza em geral, tinha de ser adaptada de modo a poder ser aplicada
às ciências humanas e, em particular, à psicanálise, uma ciência ainda
em formação. Isso também fazia parte dos nossos estudos. Já no artigo
sobre Heidegger e Winnicott, de 1999, eu destaquei a dimensão hermenêutica
de toda ciência do homem. Dessa forma, assumi a tarefa de
mostrar que a formulação dos distúrbios do existir como problemas a
serem resolvidos, e mesmo curados, por profissionais de diferentes áreas,
inclusive de psicanalistas, pode e deve ser precedida pelo momento interpretativo
do estudo científico do existir humano. Nessa questão de
unificação da interpretação do sentido com a objetificação solucionadora
de problemas ressurgia o meu antigo problema de unificação de
meus interesses, divididos entre a filosofia analítica da ciência e a hermenêutica
heideggeriana. Constatei que a solução, um assunto que me
ocupa ainda hoje, exige o abandono, por um lado, da ideia neopositivista
de uma linguagem unitária da ciência e, por outro lado, da tese de
Heidegger de uma linguagem originária, que seria essencialmente poética
e da qual a linguagem conceitual da metafísica ocidental e da ciência
moderna derivariam por um tipo de esquecimento. Em outras palavras,
cheguei à conclusão de que, para tratar dos assuntos humanos, era
necessário admitir uma pluralidade irredutível de dizeres. A afirmação
de Winnicott de que, a fim de poder expressar a sua teoria científica do
amadurecimento, ele precisava usar várias linguagens, não traduzíveis
uma para a outra e, todas elas, diferentes da linguagem da poesia, abriu-
-me um campo de estudo concreto muito proveitoso para compreender
essa necessidade da pluralidade dos dizeres. O meu estudo anterior da
semântica kantiana dos diferentes grupos de juízos sintéticos a priori,
pertencentes a diferentes áreas teóricas, preparou-me para poder fazer
esse uso de Winnicott.
P: O senhor toca aqui num assunto que nos interessa muito: a sua tentativa
de reler Heidegger com base em Winnicott.
R: De fato, durante esse exercício de articular a dimensão filosófica da
psicanálise de Winnicott à luz de Heidegger aconteceu algo que me surpreendeu.
Deparei-me em Winnicott com temas que não podiam, sem
mais nem menos, ser transpostos para a linguagem de Ser e tempo. Eu
me vi diante da seguinte escolha: ou abandonar Heidegger como ponto
de referencia ou, então, tentar enriquecer a analítica existencial e a antropologia
filosófica heideggeriana com base nos resultados de pesquisas
ônticas, factuais, feitas por Winnicott, no domínio da antropologia
normal e patológica. Optei pela segunda alternativa, como se pode ver
em vários dos meus trabalhos recentes. Em vez de me limitar a colocar
apenas uma parte de Winnicott em Heidegger, eu me vi levado a ampliar
e a modificar Heidegger.
P: Quais são os temas winnicottianos que o levaram a ampliar e mesmo
a modificar Heidegger?
R: São muitos: a existência psicossomática, a temporalidade da existência
psicossomática, a elaboração imaginativa das funções corpóreas, o
nascimento, isto é, o fato de o ser humano chegar-ao-mundo, o caráter
essencialmente subjetivo, pessoal, do mundo inicial, o processo de amadurecimento,
a possibilidade de mudar de vida, o conceito de história...
P: O senhor poderia explicar um pouco mais a relevância desses pontos
para o diálogo entre Winnicott e Heidegger?
R: Heidegger dedicou ao tema do corpo apenas algumas linhas, para
dizer que a corporeidade diz respeito ao nosso poder de aproximação
das coisas e de direção no espaço. Isso não é muito. Ele se via dispensado
de dizer mais, porque o seu problema era a relação do homem ao ser
e, para ele, essa relação, que é ao mesmo tempo a de compreensão do
ser, fundamenta-se no caráter extático do tempo originário finito, circular
e extático, próprio da estrutura do existir de cada ser humano,
revelada instantaneamente na angústia. Esse poder-ser heideggeriano
não depende do corpo, isto é, da condição de estar vivo fisicamente.
Assumindo uma posição claramente pré-darwiniana, Heidegger propõe
uma ontologia da vida elaborada por meio de uma interpretação privativa
das estruturas do existir humano. O ser humano não é um ser
vivo e, além disso, algo mais. Para Winnicott, leitor assíduo de Darwin,
a existência humana é essencialmente psicossomática, e a relação ao ser
e a compreensão do sentido do ser baseiam-se na vitalidade do corpo,
isto é, nas funções corpóreas, nos estados excitados elaborados imaginativamente
e, dessa maneira, dotados de sentido temporal. O tempo
do processo de amadurecimento é finito e circular, mas não é extático,
não pode ser habitado pelo homem instantaneamente, mas tão somente
experienciado durante o processo de amadurecimento que vai do nascimento
à morte. A diferença na concepção do tempo do existir humano
está na origem de todas as outras que separam Heidegger de Winnicott.
Esse ponto de Winnicott fez-me também confirmar as minhas reservas
quanto ao caráter extático do amor do homem por Deus. Eu me
vi obrigado a repensar o que dizia o meu monge cartuxo sobre a sua
experiência de vida.
P: Pelo visto, a elaboração imaginativa de Winnicott parece ter muito a
ver com o tempo.
R: Sem dúvida. Assim como a dação de sentido em Heidegger, mas
como uma diferença importante: a dação do sentido acontece como
um re-lance, Entwurf, para o futuro, conservador ou inovador, do lance
(Wurf) no qual nos encontramos envolvidos. A elaboração imaginativa
de Winnicott também insere os relacionamentos dos seres humanos
com o mundo no tempo, mas essa inserção é criativa, ela tem o caráter
de um lance originário, com base em nada, feito por cada um de nós,
não um re-lance do que nos aconteceu.
P: O nascimento é outro tema pouco estudado por Heidegger, não é,
professor?
R: Ah, sim, certamente. É verdade que Heidegger considera o nascimento
como parte da estrutura do Dasein. Mas ele não trata desse
assunto em Ser e tempo. Ele o dispensa com a afirmação de que a condição
inicial ôntica do ser humano é a de ele já estar aí caído no mundo
(Verfallenheit), de se encontrar lançado no aí sem ajuda ou presença de
ninguém (Geworfenheit). Em Winnicott, o nascimento, a factual emergência
de um bebê humano do não-ser, não tem o caráter de uma queda,
nem de um lance, além da compreensão, no aí impessoal, mas, num
aspecto essencial, consiste no estabelecimento de contato (de ilusão de
contato, diz Winnicott) com outro ser humano, a saber, com a mãe que
o gestou no seu útero e que, tal como uma anfitriã, agora o recebe no seu
colo. Nós podemos morrer sozinhos, mas não podemos nascer sozinhos.
A continuidade do ser do existente humano baseia-se na experiência
dessa dependência psicossomática inicial e em modalidades posteriores
mais sofisticadas de dependência dos outros. O estudo de Winnicott do
nascimento implica ainda que o indivíduo humano que nasce, isto é,
chega ao mundo, que começa a existir no mundo, não pode ser caracterizado
como sendo desde sempre já no mundo. O ser-no-mundo heideggeriano
deve, portanto, ser interpretado como momento estrutural
do existir humano que só é constituído se tudo correr bem, não como
parte da natureza humana. Esse ponto acentua de forma particularmente
clara as limitações do fio condutor pelo qual Heidegger orienta a sua
pesquisa: o cotidiano de um ser humano já nascido, mais precisamente,
de um indivíduo adulto, sadio e pertencente à cultura ocidental.
P: Em certos textos, o senhor abordou o problema do mundo em que
nascemos. De que se trata?
R: O mundo originário descrito por Heidegger é o espaço de significações
que possibilita o trabalho manual. O mundo inicial dos bebês
humanos é o ambiente materno que possibilita o estabelecimento das
bases para que ele venha a ser um existente, alguém que possa, num estágio
posterior do amadurecimento, se tudo correr bem, começar a fazer
coisas e a agir sobre o mundo, inclusive a trabalhar.
P: A expressão “se tudo correr bem” remete ao que o senhor chama de
caráter acontecencial do homem, não é?
R: Esse é mais um ponto sobre o qual Heidegger e Winnicott divergem.
O acontecer essencial do Dasein em Ser e tempo consiste em tornar-se
autêntico, isto é, em assumir o seu poder de fazer escolhas, em escolher
a escolha. O que possibilita a escolha da escolha, segundo Heidegger, é o
ser para a morte, a transcendência do ser-no-mundo, vivida na angústia,
no instante em que somos acometidos pela falta de sentido de tudo o
que há. Enquanto existe no mundo de maneira autêntica, o homem é
capaz de escolher, entre as possibilidades nas quais já se encontra envolvido,
aquelas nas quais existirá no futuro; ele não as reproduz mais
inercialmente, como acontece no cotidiano; ele é livre. A escolha facilita
e promove o re-lance do sentido dado à presença, não apenas de si mesmo,
mas também de outros seres humanos e de todos os entes intramundanos.
Inclui, ainda, a modificação dos relacionamentos factuais
consigo mesmo e com todos os outros entes. Em nenhum momento
Heidegger se debruça sobre os limites da liberdade de escolha, do relance
ontológico e ôntico. Em Winnicott, o acontecer humano fundamental
não consiste em assumir instantaneamente o poder de escolha,
mas no processo de amadurecimento facilitado pelo ambiente, durante
o qual o indivíduo realiza seu potencial herdado, fisco e psíquico e passa
a poder existir e agir nessa base. A capacidade de escolher os modos do
existir e os rumos do agir não se fundamenta em poder morrer sozinho,
mas nas aquisições, sempre limitadas e frágeis, feitas durante esse
processo e, mais precisamente, no fato de o impulso criativo ter sido
preservado e cultivado. Em Winnicott, que não pensa, como Heidegger,
com base em comportamentos e capacidades de adultos sadios, mas à
luz dos distúrbios do amadurecimento, em particular, as psicoses, é a
própria capacidade de escolher que está em questão. Assim, por exemplo,
o poder até morrer não garante a possibilidade de escolha pessoal
de rumos do amadurecimento. Em particular, o ser-para-a-morte não
garante a possibilidade de não mais ser psicótico. Além disso, só pode
dar-se ao luxo de até morrer quem alcançou um senso de totalidade e,
portanto, não padece ou foi curado da cisão do tipo psicótico. Tem mais:
Winnicott não pensa como Heidegger que o homem desde que nasce
tem idade suficiente para morrer. Para o lactente no início, a morte não
significa nem pode significar, para falar como Heidegger, a possibilidade
da impossibilidade como elemento estrutural do ser humano; a morte,
para um bebê pequeno, significa a aniquilação ôntica, a perda do ser
devida a uma reação prolongada à intrusão ambiental.
P: A teoria do amadurecimento indicaria o caminho da cura?
R: Em Winnicott, sim. Creio que a ausência de uma teoria do amadurecimento,
em outras palavras, o desconhecimento dos limites de escolha,
é uma das razões do fracasso da daseinsanálise de inspiração heideggeriana
como procedimento clínico.
P: A teoria do amadurecimento seria também a base de uma teoria winnicottiana
de história?
R: Sim. Em Winnicott, a história de indivíduos é baseada no acontecer
maturacional que resulta da elaboração imaginativa cada vez mais sofisticada
das funções corpóreas, sempre mais articuladas, que estão na base
de relacionamentos ambientais e objetais crescentemente complexos. A
história, em Winnicott, contempla o fato básico de a existência humana
ser psicossomática. Vejam agora como procede Heidegger. Ele sustenta
que a sua fenomenologia da acontecência do Dasein abre as portas para
a dimensão histórica dos indivíduos e dos povos. Contudo, Heidegger
não diz nada sobre o desenvolvimento individual psicossomático ou o
surgimento de sociedades complexas. Nenhuma palavra sobre o processo
de construção da estrutura da personalidade e nem, por exemplo, da
masculinidade ou da feminilidade. Na acontecência do Dasein não há
lugar nem mesmo para a história do Ser, algo que Heidegger constatará
com amargura e que o forçará a mudar o rumo do seu pensamento.
P: Diante de tudo isso, caberia ainda insistir na leitura heideggeriana de
Winnicott?
R: Para entender a dimensão filosófica da psicanálise winnicottiana, nós
não temos um referencial filosófico melhor que a analítica existencial de
Ser e tempo. O que os temas mencionados ilustram é a necessidade de
refazer Heidegger, isto é, completar, enriquecer e até mesmo modificar
a sua “ontologia fundamental” para que seja possível manter produtivo
o diálogo com Winnicott. O caminho para tanto foi indicado por
Heidegger, ele próprio, já em Ser e tempo e redescrito em Seminários de
Zollikon [1987]: como o existir humano tem uma dimensão ontológica
e uma dimensão ôntica, factual, isto é, manifesta-se por fenômenos ontológicos
e ônticos, o estudo do existir humano pode e deve dar-se nesses
dois níveis. Os resultados obtidos no nível ontológico poderão ser
usados para dar uma ordenação sistemática das interpretações da experiência
ôntica e esta, para a descoberta dos novos existenciais, novos
elementos da estrutura do existir humano. Concebido à luz dessas indicações
sobre a relação circular entre a filosofia e a ciência do homem,
o diálogo entre a antropologia filosófica de Heidegger e a antropologia
psicanalítica de Winnicott pode ser concebido como um vai e vem que,
quando produtivo, toma a forma de uma espiral ascendente. A necessidade
de não apenas completar a “ontologia fundamental” de Ser e
tempo, mas também de modificar o próprio conceito dessa ontologia
foi reconhecida pelo próprio Heidegger na sua segunda fase: agora, o
homem não é mais pensado como sendo estruturalmente para a morte,
mas como alguém que ainda tem de se tornar mortal, num espaço chamado
quadrindade, estruturado pelo céu e terra, pelos homens e deuses.
P: Lá fora, no exterior, existe essa visão da complementariedade entre a
pesquisa ontológica e ôntica?
R: Recentemente [2009], eu falei sobre esse assunto em Paris, num evento
da Escola Francesa de Daseinsanálise, de Françoise Dastur. O que eu
dizia foi recebido com atenção, mas deixou perplexidades. Ficou óbvio
que os membros dessa escola se limitam a cultivar o pensamento de
Heidegger como fundamento insuperável das ciências do homem; nós
aqui, na Escola Winnicottiana de São Paulo, trabalhamos com base nele
para estabelecer os fundamentos da psicanálise em movimento. Nesse
aspecto, nós somos pioneiros.
P: Uma pergunta que eu gostaria de fazer: o senhor é um filósofo, não
um clínico. Por que o senhor não fica só na universidade, fazendo filosofia
da psicanálise, ao invés de montar uma escola de formação de
psicanalistas? Essa iniciativa está relacionada com Elsa?
R: Por muito tempo, durante dez anos aproximadamente, eu não fiz mais
do que dar aulas de filosofia sobre a psicanálise winnicottiana, isto é, sobre
a teoria winnicottiana da natureza humana. Rapidamente, contudo,
percebi os limites dessa prática. Os conceitos winnicottianos têm todos,
sem exceção, um sentido clínico e esse sentido era algo que eu, por não
clinicar, não podia determinar com precisão. Tentei remediar essa desvantagem
mediante conversas praticamente diárias com Elsa sobre esses
temas e pelo estudo detalhado dos casos clínicos de Winnicott. A obra
de Winnicott se presta maravilhosamente para este uso, porque contém
um grande número de casos clínicos que permitem dar conteúdo factual
às análises teóricas. Além disso, tendo constatado que a psicanálise
winnicottiana é uma teoria que serve para resolver problemas clínicos
e, levando em conta a tese de Kuhn de que o ensino de uma disciplina
científica se faz prioritariamente com base em exemplares, comecei a
recorrer cada vez mais a Elsa e outros colaboradores que tinham clínica,
para complementar o meu ensinamento teórico. A complementação
podia acontecer seja pela análise de procedimentos da clínica winnicottiana
e estudo de casos clínicos de Winnicott, seja por meio de supervisões
de casos clínicos de meus alunos. Esse tripé: teoria de Winnicott
da natureza humana, clínica winnicottiana e supervisão de casos de
alunos é a base da formação winnicottiana oferecida pela nossa Escola.
Eu, como filósofo e leitor de Winnicott, só podia cobrir uma parte desse
campo, não todo ele. Por isso, a colaboração com Elsa foi essencial
desde o início do projeto da Escola. Com o tempo, nós formamos um
grupo de profissionais mais jovens, em condições de assumir total ou
parcialmente as tarefas relativas à formação de profissionais em psicanálise
winnicottiana. Hoje, esses profissionais são a base da nossa Escola.
Devido a essas características da sua origem e da sua constituição, essa
escola é sem equivalente no Brasil e mesmo no exterior.
P: Quais são as perspectivas para os estudos winnicottianos no Brasil e
no mundo?
R: No Brasil, a cada ano cresce de modo significativo o número de profissionais
e de grupos que trabalham Winnicott. Isso se vê claramente
na multiplicação de eventos e publicações sobre o seu pensamento.
Sabemos que Winnicott é, depois de Freud, o psicanalista mais citado na
América Latina. No hemisfério Norte, entre os candidatos em formação,
a situação não é muito diferente.
P: Por fim, gostaríamos de saber qual o papel para a Sociedade Brasileira
de Psicanálise Winnicottiana nesse quadro?
R: A Sociedade Winnicott é uma base institucional importante para a
realização de atividades de pesquisa, ensino e publicação que visam assegurar
a Winnicott o lugar na história da psicanálise que ele merece e
manter vivas as suas ideias.
P: Muito obrigada, professor.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Sugestão de leitura - SANTOS, Eder Soares. Ontologia em Winnicott.

Winnicott e-prints

versão On-line ISSN 1679-432X

Resumo

SANTOS, Eder Soares. Ontologia em Winnicott. Winnicott e-prints [online]. 2009, vol.4, n.1e2, pp. 1-17. ISSN 1679-432X.
O artigo procura mostrar, por meio da noção de paradigma empregada por Zeljko Loparic na investigação das teorias psicanalíticas, a relação de aproximação e distanciamento entre Winnicott e Heidegger, a fim de ressaltar que a psicanálise winnicottiana possui uma ontologia própria, que, por vezes, vai ao encontro das discussões propostas por Heidegger em "Ser e tempo" e, por outras, pode sugerir novos ângulos para a investigação fenomenológica
Palavras-chave : Heidegger; Paradigma; Ontologia; Winnicott.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1679-432X2009000100001&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Processo Seletivo 2014



Curso de Formação em Psicanálise Winnicottiana

Estão abertas as inscrições para o processo seletivo de 2014 nos Centros Winnicott de São Paulo, Campinas, Vale do Paraíba e Triângulo Mineiro.
Período de inscrição: de 10 de outubro a 16 de dezembro de 2013
Clique para acessar a ficha de inscrição.

PROCESSO SELETIVO
Os candidatos com a documentação completa serão entrevistados por membros da Coordenação do Curso de cada Centro, a partir de 10 de outubro de 2013, em horários a serem agendados pela Secretaria da SBPW. 

Os resultados serão comunicados por e-mail aos candidatos até 23 de dezembro de 2013. 

DOCUMENTAÇÃO
a) diploma de graduação (cópia simples) em curso superior nas áreas de Psicologia ou Medicina. Graduados em outras áreas deverão fazer uma solicitação especial pelo e-mail:secretaria@sbpw.com.br 
b) ficha de inscrição devidamente preenchida.
c) taxa de inscrição, no valor de R$ 180,00, efetuada no site via Pagseguro.

Clique aqui para ver a apresentação da distribuição-padrão das atividades previstas ao longo do período mínimo de quatro anos de formação.

Conheça o regimento do Curso de Formação, sua estrutura, público alvo e demais regras.

O Corpo docente do Curso de Formação em Psicanálise Winnicottiana é constituído por pesquisadores especializados na obra de Winnicott. Na sua grande maioria, são professores doutores da SBPW e do Grupo de Pesquisa em Filosofia e Práticas Psicoterápicas, dedicando-se à análise dos aspectos teóricos, clínicos, históricos e filosóficos da psicanálise winnicottiana.

Suas atividades acadêmicas incluem ainda a realização anual de Colóquios Winnicott Internacionais e a publicação da Revista Internacional de Filosofia e Psicanálise Natureza Humana e da Revista Eletrônica Winnicott e-Prints.

Centro Winnicott de Campinas

Centro Winnicott de São Paulo

Centro Winnicott de Triângulo Mineiro

Centro Winnicott do Vale do Paraíba

MAIS INFORMAÇÕES
Alunos que não fizerem parte da formação poderão cursar as 4 disciplinas teóricas e o Seminário teórico-clínico I. Esses alunos poderão obter créditos nessas disciplinas mediante filiação à SBPW, e elaboração de trabalhos de fim de disciplinas sob orientação de um dos professores do curso. Caso o aluno entre na formação após o início do curso, os créditos assim obtidos poderão ser usados para compor o seu currículo do Curso.

As matrículas dos candidatos aprovados serão realizadas entre novembr de 2013 e janeiro de 2014. A Secretaria da SBPW entrará em contato para agendar as datas. Início das aulas: fevereiro / março de 2014.

Coordenação geral: Profa. Dra. Elsa Oliveira Dias