terça-feira, 28 de agosto de 2012

Nova tradução de “Ser e Tempo” de Heidegger

Fausto Castilho traduz ‘Ser e Tempo’, obra maior de Heidegger

Professor do IFCH, que foi aluno do filósofo
alemão, começou a verter livro para o português
em 1949, quando estudava na Sorbonne
Reprodução
A Editora da Unicamp está lançando a primeira edição bilíngue (alemão-português) de Sein und Zeit (Ser e Tempo), considerada a obra mais importante de Martin Heidegger, para muitos o principal filósofo do século 20. O responsável pela tradução é Fausto Castilho, professor emérito da Unicamp, que frequentou o curso de Heidegger na Universidade de Friburgo. Na opinião do professor, Ser e Tempo é um livro singular “porque pressupõe a leitura por Heidegger de toda a história da filosofia”. O lançamento ocorre em parceria com a Vozes, editora que detém os direitos de publicação de títulos do filósofo alemão no Brasil.
Em sua graduação em filosofia na Universidade de Sorbonne, Fausto Castilho foi aluno de Merleau-Ponty, Jean Piaget e Gaston Bachelard. Paralelamente, como convém a um futuro filósofo, cuidou de aprender o alemão com um grupo de colegas, quando já começou a traduzir a obra-prima de Heidegger, ao mesmo tempo em que a estudava. Foi fazendo a tradução por partes, conforme as necessidades de estudante, professor e palestrante, até se dar conta, no início dos anos 1980, de que havia traduzido praticamente todo o livro.
Fausto Castilho, na entrevista que segue, conta como nasceu seu interesse por Heidegger, dimensiona a importância de Ser e Tempo no campo da filosofia e apresenta a sua explicação para a adesão do filósofo alemão ao nazismo, grande mácula em sua trajetória. Perto de completar 83 anos de idade, o professor emérito retoma neste semestre os estudos sobre a interpretação do Brasil – o outro tema de seu interesse –, prevendo inclusive a realização de seminários multidisciplinares a respeito.

 Jornal da Unicamp – O que representa o livro Ser e Tempo para o campo da filosofia?
Fausto Castilho – É um livro bastante singular, excepcional entre os livros de filosofia do século 20. Em primeiro lugar, porque a obra pressupõe a leitura por Heidegger de toda a história da filosofia. Em 1951, filólogos importantes na área da filosofia (alemães, suíços e de outras nacionalidades) promoveram um seminário em Zurique e convidaram Heidegger para presidi-lo. Um dos filólogos presentes, o suíço Emil Staiger, grande nome da crítica literária, perguntou a Heidegger o seguinte: “Por que o senhor, para enunciar o seu pensamento, precisa se apoiar no comentário dos filósofos?”. Ele respondeu: “Nunca enunciei nada que me coubesse. Sempre disse o que os filósofos e alguns grandes poetas disseram”.
Heidegger comenta os autores contemporâneos, como por exemplo, [Edmund] Husserl, de quem foi aluno e discípulo; era um grande intérprete de Kant; um dos maiores adversários de Descartes; e um grande crítico de Hegel. Conhecia não só toda a filosofia moderna, mas também a filosofia medieval, o que é igualmente excepcional: em geral, quem gosta dos modernos, não gosta dos medievais. E, mais do que isso, passou os últimos 30 ou 40 anos da vida comentando os pré-socráticos: Parmênides, Anaximandro e assim vai...
Então, qual é a excepcionalidade deste livro? É que se trata de um livro de história da filosofia, sem dizer que o é. Heidegger não faz história da filosofia, vai direto aos filósofos como se fossem contemporâneos seus, e os examina fora de qualquer esquema de desenvolvimento histórico. Isso é excepcional porque pressupõe um conhecimento direto dos filósofos, principalmente os gregos, o que é raro. A filosofia da moda americana é a filosofia analítica, que simplesmente ignora a história da filosofia. E por que um alemão, um francês ou um escandinavo têm essa possibilidade? Por causa do liceu. A Finlândia, país cuja língua não é sequer europeia, exige cinco anos de latim no liceu. Por aí, vemos que a possibilidade de ter acesso aos gregos depende do liceu. É, portanto, um exemplo flagrante da formação que um liceu alemão (que lá se chama gymnasium) produz.

JU – O senhor manifesta inconformismo com a adesão de Heidegger ao nazismo. Que explicação encontra para que ele tenha tomado tal posição?
Fausto Castilho – Esta adesão ao nazismo é realmente uma coisa insuportável na biografia dele. Eu tenho lá as minhas ideias a respeito disso. Eu o conheci pessoalmente por frequentar suas aulas, nunca tive um contato direto. Mas era um tipo rústico de camponês (aliás, um montanhês, nascido nas montanhas do sul do país), o que você sentia logo na primeira vez que o encontrasse. Ao contrário, por exemplo, de Sartre, que era uma pessoa delicadíssima. Essa origem marca Heidegger, que depois de concluir o curso universitário não tinha nenhuma perspectiva de ascensão social. Quando aparece o movimento nazista, seus antecedentes de família – o pai sacristão de uma igrejinha na montanha e de um catolicismo atrasadíssimo, reacionário – já predispunham o rapaz para atitudes políticas que fugiam das soluções citadinas, urbanas. Quando Hitler toma o poder, Heidegger recebe o apoio de praticamente todo o corpo docente para que assumisse a reitoria da Universidade de Friburgo, inclusive – e talvez principalmente – dos judeus, amigos dele. Em minha opinião, a opção [pelo nazismo] não vem apenas da sua origem montanhesa, que é uma razão fortíssima, mas também de arrivismo, isto é, vontade de subir na vida.  Isso contou muito.
Minha compreensão deste episódio, em face da imensa obra escrita e publicada, no fundo é de apenas um episódio em toda a sua vida. Como dizia Hannah Arendt, que era judia e foi aluna dele, o curso que nós assistimos de Heidegger sobre O Sofista, de Platão, nunca mais vai haver igual numa universidade alemã. Porque a voz de Heidegger, isto é, o modo como ele interpretava o texto de Platão, dizia Hannah Arendt, não era contemporânea, vinha dos primórdios, como se ele tivesse a capacidade de se transportar até a Grécia. Isso para quem estuda filosofia é uma coisa importantíssima. Então, quando você compara os textos de filosofia propriamente ditos, com esta atitude que durou alguns meses em que Heidegger permaneceu na reitoria, tem de optar: ou considera o filósofo, ou considera aquele político ocasional – e não pode confundir as coisas, de jeito nenhum.

JU – Como surgiu o projeto de traduzir Ser e Tempo?
Fausto Castilho – Surgiu quando fui para Paris em 1949. A primeira vez que ouvi falar em Heidegger foi em 1946 (eu tinha, portanto, 17 anos), na revista do Sartre, Les Temps Modernes, que começou a circular em São Paulo; chegavam alguns exemplares na Livraria Francesa. Eu estudei no Liceu Franco-Brasileiro, que se chama Liceu Pasteur – o Getúlio [Vargas] tinha eliminado as denominações estrangeiras – e lia o francês correntemente. Nessa revista do Sartre apareceu um debate entre dois filósofos,  [Karl] Löwith, que é um alemão, e [Alphonse] De Waelhens, um belga: os dois discutiam justamente a opção de Heidegger pela reitoria nazista.
Em 1949, ingressei na graduação em filosofia da Sorbonne. Quando cheguei a Paris, tinha uma carta do Antonio Candido pedindo para o Paulo Emílio Salles Gomes me dar cobertura. Fui morar num pequeno apartamento que Paulo Emílio tinha ocupado antes da Guerra – ele era muito amigo da proprietária, madame Jeanne – e, ao se despedir, me disse: “Agora, você é prisioneiro aqui da Praça da Sorbonne”. Realmente, fiquei lá por quatro ou cinco anos. E digo sempre que tive muita sorte de encontrar aquele apartamento: acordava ouvindo o tocar dos sinos da igreja da Sorbonne e me vestia rapidamente para ir à aula – foi um ponto de disciplina formidável.
Morei diante da Livraria Vrin. Pedi ao velho Joseph Vrin que conseguisse um exemplar do texto de Ser e Tempo em alemão, que ele conseguiu com um confrade livreiro. É a famosa edição nazista, toda censurada [sem a dedicatória de Heidegger ao mestre Edmund Husserl, judeu] e que guardo até hoje. Ao mesmo tempo da graduação, passei a estudar alemão com um grupo de colegas e também o Ser e Tempo. Um dia, acho que em 1951, Merleau-Ponty, meu professor, perguntou se eu sabia que Heidegger ia voltar a dar aulas – ele estava afastado por causa da “desnazificação” e, só quando foi “desnazificado”, os militares franceses que ocupavam a região autorizaram a sua volta. Passei a ir até Friburgo uma vez por semana.
Tinha muito interesse por esta obra de Heidegger e comecei a sua tradução ainda como estudante em Paris, ao mesmo tempo em que estudava o alemão. Nunca fiz uma tradução contínua, fui fazendo por partes, para utilizá-las como professor e em seminários. Isso desde 49 até o início dos 80, quando me dei conta de que já havia traduzido praticamente todo o livro. Foi então que procurei a Editora da Unicamp sugerindo a publicação, com a condição de que ela fosse bilíngue.

JU – Quais foram as dificuldades que encontrou na tradução?
Fausto Castilho – As dificuldades foram não só de conteúdo, isto é, de filosofia propriamente dita, mas também de linguagem. A solução que encontrei para a maior parte dessas dificuldades foi lançar mão dos três índices que menciono no livro e que tratam da linguagem de Ser e Tempo. [São os índices de Hildegard Feick, Index zu Heideggers “Sein und Zeit”, 1961; de Theodore Kiesel, “Lexicon”, in Being and Time, traduzido por J. Stambaugh, 1972; e de Rainer A. Abast/Heinrich P. Delfosse, Handbuch zum Textstudium von Martin Heideggers “Sein un Zeit”, vol. 1, 1980].
Evidentemente que as duas traduções para o inglês, as duas para o francês e a tradução para o italiano me ajudaram muito, porque são línguas afins. No fundo, a solução final sempre esteve na possibilidade de criar neologismos, não só de termos, mas de locuções. A coisa é complicada. Do ponto de vista do conteúdo, procurei cotejar os conceitos de Heidegger, alguns bastante inusitados, com os conceitos dos outros filósofos, principalmente dos modernos a partir de Descartes, como Kant e Hegel. 

JU – Houve dificuldade, também, na obtenção da autorização do Comitê Heidegger para a publicação da obra em português.
Fausto Castilho – As dificuldades não foram minhas, mas do doutor Maiorino [José Emílio, assistente de direção da Editora da Unicamp], que fez toda a negociação. Até alguns anos atrás, havia uma secretária do Comitê que tinha mais simpatia pela nossa proposta, mas depois a editora das obras de Heidegger foi vendida para uma editora americana, o que tornou a negociação ainda mais demorada. E ainda surgiu a Editora Vozes [detentora dos direitos de publicação de Heidegger no Brasil], que começou a influir em nossas decisões – esta é a primeira edição bilíngue de Ser e Tempo, mas existe outra tradução para o português, feita por um professor carioca. Finalmente, chegou-se ao entendimento de uma edição comum.

JU – Sem falsa modéstia, qual é a contribuição que o seu livro traz?
Fausto Castilho – Sendo uma edição bilíngue, obviamente vai facilitar muito o entendimento de uma obra de leitura dificílima. Do ponto de vista didático, isso é importante, porque entrar no texto de Heidegger sem nenhuma ajuda é uma árdua tarefa. Eu costumo fazer seminários, mas eles já pressupõem um conhecimento de filosofia.

Sobre ‘Ser e Tempo’

Este volume oferece, em edição bilíngue (alemão-português), a Primeira Parte incompleta de um tratado concebido para abranger duas grandes partes. Esse texto, denominado Ser e tempo, é amplamente considerado a contribuição maior daquele que muitos têm como o principal filósofo do século XX.
Fausto Castilho — que frequentou o curso de Heidegger na Universidade de Friburgo, transformado no livro Que significa “pensar”?, e o seminário de Eugen Fink sobre a Monadologia de Leibniz — é o responsável por esta tradução que constitui um marco na história da recepção desta obra no Brasil.

Serviço
Autor: Martin Heidegger
Tradução, organização, nota prévia, anexos e notas: Fausto Castilho
Ficha técnica: 1a edição, 2012
Páginas: 1200 páginas
Formato: 16 x 23 cm
Editora da Unicamp
Coedição: Editora Vozes
Área de interesse: Filosofia


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Elsa Oliveira Dias: A teoria do Amadurecimento de D. W. Winnicott, 2° ed.

Editora: DWW editorial
Autor: Elsa Oliveira Dias
Ano: 2012
2º edição
ISBN: 978-85-62487-13-2
A teoria winnicottiana do amadurecimento conceitua e descreve as diferentes tarefas, conquistas e dificuldades que são inerentes ao processo de amadurecer em cada um dos estágios da vida. Ela serve, portanto, de guia prático para a compreensão dos fenômenos da saúde, assim como para a detecção precoce de dificuldades emocionais, podendo ser útil não só para psicanalistas e psicoterapeutas, mas também para mães e pais preocupados em facilitar o amadurecimento pessoal de seus filhos, para os profissionais cujo trabalho afeta, em algum nível, o desenvolvimento emocional de bebês, crianças, adolescentes e adultos e, igualmente, para todos os que foram alertados para a necessidade de se pensar em atividades e políticas de prevenção na área de saúde psíquica. Importante em si mesma, essa teoria é, além disso, o quadro teórico a partir do qual podem ser desenvolvidos vários aspectos do estudo da natureza humana – por exemplo, os que dizem respeito às realizações culturais e todo o domínio da criatividade. Ela constitui, também – tanto na obra de Winnicott como no projeto de estudo no qual este livro se insere –, o fundamento teórico sobre o qual se torna possível explicitar os conceitos relativos aos distúrbios psíquicos em geral, devido à íntima articulação desses distúrbios com os estágios do amadurecimento. A proposta deste livro é estudar e apresentar, de forma unitária, o corpo conceitual da teoria winnicottiana do amadurecimento, explicitando seus pressupostos e procedendo à descrição organizada dos vários estágios desse processo, com suas respectivas tarefas e conquistas. Tal como na obra de Winnicott, aqui também serão privilegiados os estágios iniciais. Isto se deve ao fato de que, para o autor, são as psicoses, e não as neuroses, o paradigma do adoecer humano. Referidos às tarefas fundamentais do início da vida, os distúrbios psicóticos derivam do fracasso ambiental em favorecer a resolução dessas tarefas, transformando-as em conquistas do amadurecimento. O pensamento winnicottiano mostra, ainda, que é do estudo, observação e tratamento das psicoses que advém a perspectiva que permite vislumbrar aspectos essenciais da existência humana, que são inacessíveis quando se estuda o indivíduo saudável e mesmo o neurótico.

Lançamento Londres

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Inauguração do Grupo de Estudos Winnicottianos, Liège



Inauguration du Groupe d’Études Winnicottiennes (GEW)

Figure majeure de la tradition psychanalytique britannique du XXe siècle, Donald W. Winnicott (1896-1971) connaît aujourd’hui un regain d’intérêt dans le milieu psychanalytique, tout en alimentant
par ailleurs la curiosité d’autres disciplines. Auteur prolifique en pédiatrie et en psychanalyse – disciplines qu’il travailla à concilier jusqu’à sa mort – Winnicott a marqué de manière créative et novatrice la psychanalyse par de brillantes intuitions, ouvrant la voie à des domaines de recherche jusque-là inexplorés, mais aussi par le regard humain qu’il posa sur la pathologie et le zèle dont il fit preuve dans sa propre pratique. Il appelait à une étude patiente de la nature humaine, mettant en demeure le psychologue de porter
son attention dès les balbutiements du nourrisson jusqu’aux tâches de l’âge adulte – l’enfant étant, selon le mot de Wordsworth, le père de l’homme adulte. La nature humaine a donc une histoire dont il faut comprendre les arcanes : c’est là, nous dit Winnicott – poussant plus avant les héritages freudien et kleinien – que l’on doit apporter de la lumière si nous voulons comprendre les racines de la psychopathologie mais aussi les fondements de la santé et de l’expérience culturelle humaine. Il pensa l’étiologie des psychopathologies sous un nouveau jour et gratifia le champ thérapeutique de nouveaux concepts qui inspireront la postérité et dont les portées théorique et clinique donnent aujourd’hui toujours à penser (objet et phénomène transitionnels, mère et environnement suffisamment bons, vrai et faux Self, pour ne citer qu’eux). Farouche à toute systématisation spéculative, Winnicott s’opposa également aux partis pris politiques et à l’élitisme cénaculaire dès lors qu’il était question de santé mentale : les parents, l’infirmier, l’éducateur, l’assistante sociale et le médecin de famille ont également un rôle à jouer. Le thème de la santé mentale recèle un enjeu social et une responsabilité collective que Winnicott contribua à rendre publiques et intelligibles pour la très vaste audience à laquelle il s’adressa pendant près de quarante ans.

Le Groupe d’Etudes Winnicottiennes proposera durant l’année 2012-2013 un cycle de conférences et une journée d’étude ouverts à tous ceux qui souhaiteraient comprendre et approfondir la pensée de D.W. Winnicott et des travaux qui s’en inspirent. Dans le droit fil de l’auteur et de sa pratique, ce groupe se veut interdisciplinaire et souhaite envisager méthodiquement les thématiques et les textes à l’aune de divers horizons théoriques et pratiques. La participation aux événements est gratuite et ouverte à tous.

La conférence inaugurale sera donnée par le Prof. Zeljko LOPARIC le mercredi 19 septembre 2012 à 19h (Salle Lumière – Place du XX août, A1, 2e étage)

Le programme des prochaines activités sera publié à la rentrée
académique.